Cena belo-horizontina: o caminhão do lixo que recolhe material reciclável uma vez por semana pára no meio da rua logo depois da esquina de duas importantes vias da zona sul da cidade, por volta de meio-dia e meia.
Não tem outro jeito: de um lado há carros estacionados, do outro também.
Os garis descem e começam a recolher o lixo empilhado no passeio pelos moradores: um monte, outro, um saco, outro, objetos soltos. Sem pressa.
O trânsito pára atrás do caminhão e logo em seguida na rua que a corta, pois os carros interrompem o cruzamento. Os motoristas começam a buzinar.
Com a calma de quem já está acostumado com isso, o motorista do caminhão de lixo nem se mexe; os garis continuam a fazer seu trabalho -- trabalho essencial para a vida da cidade, para que continuemos consumindo vorazmente e produzindo quilos e quilos de lixo todos os dias -- bem devagar; parece até que a cada buzinada ficam mais lentos.
Aquilo demora um minuto, dois, três, não muito mais que cinco, mas cinco minutos no trânsito engarrafado parecem uma eternidade para motoristas intolerantes e individualistas.
Finalmente, aquele ponto fica limpo e o caminhão avança um pouco e devagar, mas agora, de um dos lados da rua, tem uma grande porta de garagem, não tem carros estacionados, e o caminhão pode encostar, deixando uma brecha para os carros passarem.
E eles passam, um a um, devagar, e quando chegam do lado do motorista do caminhão buzinam mais uma vez e xingam palavrões. Depois, aceleram, fazem barulho com o motor, cantam até pneus, para recuperar o tempo perdido.
"Como o serviço da SLU piorou!", comenta um morador com o motorista do caminhão. "Não tem jeito, eu fico até com a cabeça cheia, mas o que que eu posso fazer?", diz ele.
A SLU (Serviço de Limpeza Urbana) já foi um serviço exemplar, referência nacional. Na época dos prefeitos Patrus e Célio de Castro.
Agora, terceiriza tudo e seus funcionários não são mais os mesmos. Trata-se de um serviço gigantesco, que movimenta fortunas e do qual se diz que também grande corrupção. Nós produzimos muito lixo, sem nos preocuparmos com seu destino. O lixo aumentou, o trânsito piorou.
A coleta do lixo diário agora é feita de madrugada, para não atrapalhar o
trânsito, e a barulheira é tanta que mudou o horário de dormir dos
moradores: é melhor esperar o caminhão passar, para não acordar com ele.
Mas a coleta seletiva é feita durante o dia e continua atrapalhando o trânsito, essa prioridade das prioridades -- mais que segurança, mais que saúde, mais muito mais do que educação -- dos governos.
Entupiram as cidades de carros, privilegiaram o transporte individual, não dão a menor atenção ao transporte coletivo, incentivaram e continuam incentivando todo mundo a comprar carros novos.
Os motoristas entram nas suas jóias modernas, todos ao mesmo tempo, e querem chegar rápido, querem que o trânsito flua, pensando no seu problema individual, sem se preocupar com o todo, com as causas, com as soluções efetivas, não com as soluções paliativas de um viaduto aqui, outro ali, um alargamento acolá.
Para além das causas e soluções duradouras, o que chama atenção em Belo Horizonte é a incompetência da atual administração. No caso relatado, por exemplo.
Se não é possível resolver o problema, é fácil melhorar a situação, basta inteligência e competência.
O caminhão do lixo precisa estacionar, para que o trânsito continue fluindo. Isto significa que em cada quarteirão é preciso ter uma vaga para estacionamento do caminhão do lixo. Como existem vagas para carga e descarga e em porta de farmácia.
"Em todo quarteirão da cidade?", perguntará o burocrata de plantão. "É impossível!"
Não em toda a cidade, porque nem em todo quarteirão a passagem do caminhão embola o trânsito, mas há pontos críticos e esses podem ser resolvidos.
Basta pôr um funcionário inteligente no caminhão para percorrer todo o seu itinerário e identificar esses pontos críticos.
Se a SLU não tiver funcionários inteligentes, pode recorrer à BHTrans, a quem a solução do problema também interessa. Se a BHTrans também não tiver funcionários inteligentes à toa, terá pelo menos funcionários à toa e poderá ceder alguns deles para um trabalho eventual.
Listados esses pontos críticos, viria a BHTrans fixando neles placas de estacionamento proibido; para garantir que a coisa funcione, durante algum tempo o fiscal da BHTrans acompanharia o caminhão, multando e distribuindo material de divulgação para os motoristas.
É impossível de fazer? Não é nem difícil, mas é preciso ter inteligência e competência, que são qualidades em franco processo de extinção na administração pública belo-horizontina.
Mas o que esperar de um prefeito que não mora na cidade que administra?