Leio no ótimo Blog do Planalto (ótimo porque Lula começou e Dilma continuou a comunicação direta com os brasileiros, e é isso que todas as instituições e organizações devem fazer, agora que, graças à internet, não dependem mais das grandes empresas jornalísticas para isso) que o governo federal dará dinheiro para construção de corredores exclusivos de ônibus em Salvador.
Bem, isso está sendo feito em Belo Horizonte, com o BRT, e tenho dúvidas da sua eficiência. Não tenho dúvidas no entanto dos interesses envolvidos, que estão longe de ser a solução do transporte coletivo. A solução do transporte por ônibus nas grandes cidades não passa por obras que consomem "R$ 1,3 bilhão", como no caso baiano.
Aproveito para me informar sobre o BRT belo-horizontino, que ainda não usei e do qual tenho só duas referências:
1) que começou pela destruição do que tinha acabado de ficar pronto, obra da gestão municipal anterior, nas Avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado, numa evidente demonstração de desperdício de dinheiro público;
2) que as obras foram demoradas, mal feitas e levaram o caos àquelas avenidas e outros locais da cidade (até a "grande" imprensa, em geral desatenta aos problemas populares, percebeu isso).
Além disso, li que, no primeiro dia de funcionamento, o BRT, que a prefeitura renomeou de Move, funcionou improvisado, desviando do seu trajeto, porque ainda havia máquinas nas pistas.
Leio que há dois tipos de veículos, um simples, e outro articulado; este estaria sendo chamado de Gonzagão, porque o fole lembra uma sanfona, e o primeiro, de Gonzaguinha.
A "solução" para o transporte coletivo belo-horizontino foi importada de Curitiba, onde já está saturado, e os apelidos foram importados do Rio de Janeiro.
O ônibus menor tem a mesma tarifa dos tradicionais ônibus circulares (R$1,90) e o maior, a tarifa dos ônibus bairro a bairro (R$2,65).
Mesmo preço com ganho de tempo parece bom, mas o fato é que o novo sistema custa muito menos e a tarifa poderia ser 27% menor, mas esta redução não vai acontecer.
O ganho de tempo é considerável -- nem poderia ser diferente, já que o objetivo de tantos gastos e tantas obras é este. Mas há "gargalos" e parece que este ganho não acontece nos ônibus menores.
Houve superlotação no primeiro dia e vários veículos não funcionaram. Um dos problemas foi nos equipamentos para atendimento a cadeirantes.
Houve também vários outros problemas, inclusive desinformação.
Um ônibus articulado custa R$ 840 mil e o menor, R$ 350 mil, enquanto o convencional custa R$ 260 mil. A prefeitura já comprou 40 veículos e comprará ao todo 428, sendo 200 articulados.
Além dos 200 ônibus articulados municipais, serão comprados mais 200 intermunicipais.
As obras do BRT belo-horizontino foram orçadas em R$ 5,5 bilhões.
As obras mataram pelo menos um operário, atropelado; outro ficou ferido gravemente.
É espantoso, quase inacreditável, que veículos comprados ao preço R$ 840 mil cheguem com defeitos e não tenham sido testados antes de entrar em uso. No entanto, nenhum tipo de incompetência pode ainda surpreender na administração do prefeito Lacerda.
O fato mais curioso é que todas essas obras não vêm da preocupação com a qualidade do transporte para os moradores das cidades brasileiras (nunca é demais lembrar que 85% dos brasileiros hoje vivem em cidades). Autoridades e principalmente a "grande" imprensa estão preocupadas é com o transporte durante a Copa.
Aliás, a imprensa belo-horizontina já se desviou para um tema mais sensacional no transporte coletivo: os "encoxadores".
Custo estimado de R$ 5,5 bilhões, sendo R$ 850 milhões na primeira fase.
R$ 336 milhões só em ônibus articulados.
O entendimento do BRT-Move-Gonzagão se dá na comparação entre os gastos e os ganhos. Estes são pequenos e incertos, já aqueles são impressionantes.
Isto porque os gastos, de fato, são ganhos -- não dos usuários, mas das empreiteiras, das empresas de ônibus e de outras empresas envolvidas no negócio, além dos políticos que usam as obras como propaganda.
O objetivo do projeto não é a melhoria do transporte, mas dar muitos lucros para algumas empresas.
São essas empresas que financiam as campanhas dos políticos.
A conferência das listas de financiadores de campanha já mostrou isso muitas vezes.
Financiam campanhas e ganham obras e concorrências.
É assim que funciona o sistema, que não está interessado em resolver problemas.
Também não está interessado em olhar a origem dos problemas.
O trânsito está todo parado porque a opção dos governos desde os anos 1950 é pelo transporte individual.
É a indústria automobilística que "move" a economia brasileira.
Como incentivar a compra de carros, como fazem os governos e as propagandas, e ao mesmo tempo restringir sua circulação, como exige o trânsito?
As cidades brasileiras foram inchadas propositalmente pelos governos desde JK, no processo de urbanização mais rápido do planeta.
Qualquer indivíduo razoável, sem precisar ser autoridade nem técnico, vê que para multiplicar a população das cidades era preciso expandir nas mesmas proporções -- antes ou ao mesmo tempo -- as moradias, os abastecimentos de água e luz, o saneamento, os serviços de saúde e educação, os transportes. Nada disso no entanto foi feito.
Quando as autoridades e empresários (no caso belo-horizontino, os dois se confundem, já que o prefeito é um empresário milionário) prometem tudo isso, sempre atrasados, nunca se antecipando aos problemas, nunca planejando (qual é a pretensão do BRT? Ele é definitivo? Durante quanto tempo resolverá o problema do transporte em BH? Ninguém sabe, porque não foi dito e a prefeitura provavelmente não faz ideia), não estão de fato resolvendo nada, e sim ganhando dinheiro.
Dinheiro do Estado, que vem dos impostos que pagamos, sendo usado para pagar grandes empresas e empreiteiras.
Por isso, soluções baratas não interessam aos empresários, para os quais governam as autoridades.
É preciso gastar muito, fazer muitas obras, muita confusão na cidade para "mostrar serviço".
É preciso aumentar os problemas até o limite do insuportável, para que qualquer ganho seja sentido depois e possa ser exaltado.
Corredor de ônibus é uma solução simples e barata, não exige grandes obras, nem novos ônibus.
Basta criar faixas exclusivas para ônibus em todas as avenidas importantes da cidade.
E reduzir seu uso a uma única linha, com ônibus passando de cinco em cinco minutos ou menos, em vez de jogar nas avenidas centenas de linhas diferentes, que formam o cipoal existente hoje.
Nos bairros, devem circular ônibus menores, com linhas interligadas aos corredores.
Um modelo simples assim, com o tempo, pode ser aperfeiçoado, racionalmente, sem necessidade de grandes gastos e obras e tumultos. Mas ele traria prejuízos para as empresas de ônibus atuais, pois eliminaria muitas linhas inúteis, e também não daria lucro para as empreiteiras e políticos.
A prefeitura fez essa confusão toda para o BRT sem se preocupar antes sequer em melhorar o Circular Contorno, uma linha que liga todo o centro da cidade e que, com corredor exclusivo, seria um ganho e tanto no transporte coletivo. No entanto, seus ônibus passam de vinte em vinte minutos, estacionam distante do passeio e ficam engarrafados entre os carros!
Se as autoridades são negligentes e incompetentes para resolver problemas simples e baratos, é possível acreditar que ações complicadas e caras como o BRT venham a resolver o grande problema do transporte em Belo Horizonte?