Brasil tem minério de ferro para quatro séculos,
mas a Vale não quer transformá-lo em trilhos para ferrovias,
prefere exportá-lo. Resultado: o Brasil vende minério para a China
e compra trilhos, sete vezes mais caros. Até o governo FHC a CSN
produzia trilhos, mas os tucanos desativaram a laminação e fizeram
o Brasil voltar aos anos 1940, quando exportava minério e importava
aço. Em seguida, FHC deu a Vale e outras grandes empresas para a
iniciativa privada multinacional. O Brasil perdeu o controle sobre a
infraestrutura, que falta agora, quando cresce. E os tucanos vão
fazer campanha em 2014 batendo na tecla desse "gargalo" da
infraestrutura. Criado por eles. E têm a "grande" imprensa
com eles. E os rentistas. E as multinacionais. Assim o círculo de
interesses econômicos se fecha, unindo exportadores de produtos
primários, rentistas, imprensa e políticos tucanos.
Governos do PT e do PSDB se opõem porque têm
duas visões de mundo opostas. Os tucanos acham que o Brasil não tem
que ter projeto próprio, tem que se diluir na globalização, que o
capitalismo é um só, que não faz diferença se a empresa é
nacional ou estrangeira, que o Brasil deve colaborar com o que tem de
melhor, minérios, soja e café, e importar o que outros países
produzem. O Estado não tem que se meter nessa história, deve só
facilitar a vida dos empresários. E o restante da população, os
99,99% de trabalhadores? Que se virem, que se qualifiquem, conquistem
salários melhores etc., nesse grande jogo que é o mercado. É uma
corrente política tão antiga que nem a ditadura a seguia, a gente
tem de voltar à República Velha para vê-la em ação. Corrente
política que foi embora com a crise de 1929 e com a Revolução de
1930 -- e voltou com Collor e FHC.
O PT segue a linha inaugurada por Getúlio,
seguida por JK e governos seguintes, inclusive os militares, com
variações, a política do desenvolvimentismo, em que o Estado e
iniciativa privada atuam juntos, os empresários, especialmente os
empreiteiros, ganham muito dinheiro, mas há um plano nacional a ser
seguido e o governo está no comando, inclusive atuando com empresas
estatais estratégicas. A Petrobrás é uma dessas, a Vale seria
outra, mas a Vale foi privatizada. Podemos imaginar o que seria do
País se FHC tivesse conseguido dar a Petrobrás também (chegou a
mudar seu nome para Petrobrax). Aconteceria com o pré-sal o que está
acontecendo com o minério de Carajás, que a Vale explora segundo
seus interesses sem se preocupar com o que é bom ou ruim para o
Brasil. Mais que isso: contra os interesses do País, servindo a meia
dúzia de acionistas.
A Vale precisa ser reestatizada.
Da Agência Carta Maior.
Pratos cuspidos e trilhos entalados
Por Saul Leblon
O governo vai em romaria aos grandes centros
financeiros mundiais para atrair investidores interessados em
construir ferrovias, estradas, portos e aeroportos no país.
Não é um passeio. Pode ser uma cartada decisiva.
A continuidade do desenvolvimento requer algo em
torno de R$ 500 bilhões em investimentos para dilatar a fronteira
logística de um sistema econômico originalmente projetado para
servir a 30% da sociedade.
O Brasil corre contra o tempo, mas o momento é
favorável.
O governo oferece projetos de concessão
pré-esquadrejados pelo Estado.
O interesse público define as prioridades ,
prazos, qualidade do serviço e taxas de retorno – atraentes,
diga-se, de até 15% ao ano.
Num mundo estagnado pela desordem neoliberal, com
juro negativo e dinheiro embolorando no caixa das corporações, pode
dar certo.
Mas a romaria que começa nesta sexta-feira não
visa apenas ao capital externo.
Na verdade, destina-se também a desfechar um
safanão no rentismo local.
Em 2012 ele já fora abalroado por um corte de 5,5
pontos na taxa da Selic.
Dilma roçou baixo o pasto gordo da renda fixa,
livre, leve e líquida propiciada pelos títulos públicos.
Ainda assim a manada hesita.
Resiste em migrar dos piquetes de engorda de curto
prazo para canteiros de obras de longo curso.
Mesmo com taxas de retorno maiores que a do juro
real da dívida pública.
A relutância não é totalmente espontânea.
Anima-a a lira musical conservadora que sassarica
dando voltas no salão, a embalar expectativas de que o Brasil de
Dilma vai acabar na próxima curva.
A estratégia tem lógica.
Trata-se de engessar a economia em um imenso
gargalo de infraestrutura, capaz de emprestar alguma relevância ao
discurso do senhor Neves, em 2014.
O governo tenta contornar a arapuca trazendo a
concorrência do investidor estrangeiro para atiçar o investimeto
local.
Mas não é o único obstáculo que enfrenta.
O país que pretende construir 10 mil km de
ferrovias nos próximos anos não dispõe de uma única fábrica de
trilhos para atender a demanda prevista.
Um capitalismo reflexo, rapinoso e imediatista, em
que as coisas dão certo quando tudo dá certo.
Quando dá errado, como na crise de 2008, a Vale,
de Agnelli, foi a primeira empresa brasileira a baixar o porrete
grosso: demitiu 1.300 operários numa tacada.
A Petrobrás não demitiu ninguém. E engoliu um
congelamento estratégico do preço da gasolina, martelado como
escândalo pelo jornalismo especializado no direito dos acionistas
graúdos.