Imagina que você nasceu, cresceu, casou, criou os filhos e ainda mora no mesmo bairro, na mesma casa ou vizinhança. Passou vida ali, gosta dali, tem amigos ali. Um dia aparece um prefeito, olha o lugar e acha que dá uma bela sede nova para a prefeitura, uma obra que vai marcar a história da cidade, vai movimentar centenas de milhões de reais, "dar visibilidade" ao seu governo, agradar seus amigos empreiteiros e ainda sobrar um dinheirinho para a próxima campanha. Que nem o ex-governador, seu modelo, fez...
Para o prefeito, um empresário milionário, que não mora na cidade que administra, o lugar é só um punhado de casas velhas, de gente simples, completamente sem valor e sem importância, muito diferente do ambiente luxuoso do seu condomínio, num município vizinho, rodeado de mata e natureza. Como são poucos e não contarão com a solidariedade do restante da população, serão incapazes de resistir. E assim a vida de algumas centenas de pessoas, belo-horizontinos legítimos, que formam o povo da cidade, que fazem parte da história da capital, muda da noite pro dia. Elas que encontrem outro lugar pra morar, pra isso vão receber indenização!
É assim que se constrói o "progresso" e o "desenvolvimento", com obras que nada têm a ver com os interesses da população e à custa dela. É assim que se constrói a cidade contemporânea, expulsando os pobres para bem longe (alguém já viu moradores de condomínio de luxo serem removidos?), sem qualquer respeito pelos seus habitantes -- respeito significa a população participar do orçamento e decidir as obras que serão feitas. Não é à toa que a cidade se tornou desumana e inóspita. Quem pode -- como o prefeito milionário -- foge daqui e vai morar num condomínio de luxo, perto da natureza.
É no mínimo curioso que o prefeito tenha de desapropriar moradores para construir um "centro administrativo" depois ter leiloado uma centena de imóveis da prefeitura e de ter vendido o Mercado Distrital da Barroca. Estes imóveis não serviam para a "grande obra"? Ou ele não pensou nisso, porque é muito ruim para "planejar" as ações do seu governo? (Afinal, terminou os corredores de ônibus das avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado e em seguida quebrou tudo de novo para fazer o BRT...) E o Mercado Distrital de Santa Tereza, que ele está doando para seus amigos da Fiemg, por que não fazer o "centro administrativo" ali?
Talvez o prefeito seja um menino mimado que olha para um brinquedo e diz: "eu quero esse, não serve outro", mas o mais provável é que ele considere o Bonfim e a Lagoinha -- dois bairros tradicionais e dos mais antigos da cidade -- e seus moradores como um entulho que precisa ser removido.
Do Portal Minas Livre.
Prefeito é duramente criticado por obra de centro administrativo em BH
Thaíne Belissa
Comunidade e vereadores se organizam para debater a desapropriação de 20 terrenos para a construção do centro administrativo da prefeitura, na região da Lagoinha
Aos 63 anos de idade, dona Maria da Glória Silva Queiroga não tem o que reclamar do Bairro Bonfim, onde nasceu e também viu os filhos nascerem. Vizinha do centro de Belo Horizonte, ela se diz satisfeita com a casa modesta e o quintal cheio de árvores. Nem os moradores de rua que andam por lá incomodam. "São pessoas boas", diz.
Mas, há alguns dias, toda essa satisfação se transformou em medo e revolta. A notícia da desapropriação de 20 terrenos na região para construção do centro administrativo da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) chegou por telefone e, depois disso, ela não teve mais sossego. "Minha cunhada ligou contando que leu uma reportagem falando das desapropriações. Foi que nem uma bomba, um choque", lembra.
Em junho deste ano, o Diário Oficial do Município trouxe decreto da desapropriação de 20 terrenos próximos às ruas Além Paraíba e Bonfim para a construção de um prédio central que reunirá todas as secretarias. Em nota, a PBH informou que a área que passará por desapropriação ainda não está certa e será definida a partir de um estudo preliminar. De acordo com a prefeitura, a publicação do decreto tinha o objetivo de evitar uma possível especulação imobiliária no local.
A íntegra.