O discernimento do Paulo Nogueira nessa polêmica interessante (O Globo publicou artigo do Chico em que ele diz que a Globo o censurou nos anos 70; Chico negou que tivesse dado entrevista para o livro sobre Roberto Carlos, depois reconheceu que deu e pediu desculpas) e importante, porque mexe com o poder monstruoso dos grandes veículos de comunicação.
Uma forma fácil de se posicionar numa polêmica no Brasil é ver de que lado está a Globo e ficar do outro: a chance de escolher o lado certo é imensa.
A questão não se resume a censura e direito à informação. Num país em que a justiça só funciona para quem tem dinheiro (basta ver o caso da sonegação bilionária da Globo, que está ficando por isso mesmo), Globo, Veja, Folha publicam o que querem, mesmo reconhecendo que é mentira, e não acontece nada.
Se artistas do porte de Chico, Roberto e Caetano são ameaçadas por essa situação, o que dizer de nós, simples mortais? A vida dos pobres nunca teve privacidade, a polícia e os escandalosos programas de tevê entram em favelas e exibem "criminosos" sem qualquer pudor, muito antes de serem julgados e condenados.
Do Diário do Centro do Mundo.
O artigo de Chico é um avanço no debate sobre as biografias
Por Paulo Nogueira.
"Nos anos 70 a TV Globo me proibiu. Foi além da Censura, proibiu
por conta própria imagens minhas e qualquer menção ao meu nome. Amanhã a
TV Globo pode querer me homenagear. Buscará nos arquivos as minhas
imagens mais bonitas. Escolherá as melhores cantoras para cantar minhas
músicas. Vai precisar da minha autorização. Se eu não der, serei eu o
censor."
Aplausos de pé para Chico Buarque. Num artigo publicado pelo Globo
Chico trouxe luz, e a dose necessária de complexidade, para um assunto
que está sendo debatido de forma simplista, maniqueísta e tola. O trecho
em itálico com o qual se inicia este artigo é o fecho do texto de
Chico.
Uma pequena atração a mais nas palavras de Chico é a pancada dada na
Globo e publicada pelo Globo. Não é que a Globo tenha virado boazinha:
são os novos tempos na mídia, apenas.
Provavelmente o roteiro completo é o seguinte. O Globo pediu a Chico
um texto. Ele mandou. Em outras épocas – por exemplo, na citada por ele,
os anos 1970 – o editor teria amassado o artigo e jogado no lixo.
Ninguém ficaria sabendo de nada.
Agora é diferente. Se o Globo não publica, o texto vai parar em outro
lugar, provavelmente na internet. Acaba saindo, e o Globo passa por
censor de Chico mais uma vez. “Ah, não mudou nada essa empresa”,
concluiriam – acertadamente, aliás – muitos.
Chico foi inteligente e o jornal nada pôde fazer além de publicar uma
explicação que não explicava nada no final de um artigo que não
contribui em nada para o prestígio da Globo ao relembrar um passado de
cumplicidade lucrativa e descarada com a ditadura.
Em seu artigo, Chico traz uma suposta revelação. Ele diz que o
biógrafo de Roberto Carlos não o entrevistou, embora o tenha colocado na
lista das pessoas que ouviu ao longo de quinze anos de trabalho. O
biógrafo rebateu com uma foto na qual está com Chico. Tudo é nebuloso,
como se vê. (Nota: um dia depois da publicação desse texto, Chico pediu
desculpa ao biógrafo depois que ele publicou um vídeo no qual os dois
conversam. Chico alegou ter esquecido que falaram de Roberto Carlos, no
curso de um encontro de quatro horas.)
A questão das biografias – voltemos ao tema – é menos fácil de tratar
do que muitos gostariam. Dizer que Chico, Caetano e Gil estão fazendo
censura é ignorar a desproteção absurda que você tem no Brasil em casos
de assassinato de caráter, uma possibilidade frequente em biografias não
autorizadas.
Buscar a justiça é virtualmente inútil. Tudo é moroso,
angustiosamente moroso, e se você é indenizado a cifra costuma ser
ridícula.
É o mesmo caso da mídia, aliás. Tente se ressarcir de uma calúnia.
Num caso que mostra o quanto a justiça brasileira é ruim para proteger a
privacidade e a reputação das pessoas, diretores da Petrobras
caluniados só conseguiram incomodar Paulo Francis por processá-lo nos
Estados Unidos.
Francis disse várias vezes que eles eram corruptos. Como falou no
Manhattan Connection, em solo americano portanto, os acusados puderam
processá-lo na justiça dos Estados Unidos. Francis teve que apresentar
provas. O fim da história é conhecido: Francis não tinha prova de nada
e, colocado diante de uma indenização milionária, entrou em desespero.
Seu coração não aguentou.
No universo das biografias o cenário não é diferente. Chico lembra um
caso exemplar: a Companhia das Letras foi obrigada a pagar um dinheiro
para filhas de Garrincha. Injusto? A editora ganhou, o autor ganhou – e
as filhas?
No caso de estrelas como Chico, Caetano, Gil e Roberto Carlos, o
dinheiro é secundário. Mas o problema – a desproteção na justiça – é o
mesmo.
Tanto para a mídia como para as biografias, indenizações severas
acabam forçando os autores a ter mais cuidado com o que publicam. É o
que acontece nos países mais avançados socialmente. Mas não é o que
temos no Brasil.
A íntegra.