Oportuno artigo do economista Belluzzo.
Do Valor Econômico via blog Luís Nassif Online.
A Constituinte e os donos do Brasil
Luiz Gonzaga Belluzzo
Às vésperas do 25º aniversário da Constituição-Cidadã, não posso negar ao improvável leitor de minha coluna as palavras de Ulysses Guimarães na sessão de promulgação da Carta Magna:
"A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram. Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador. Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito:
- Mudar para vencer!
Muda, Brasil!"
Há quem diga que o Brasil, ao promulgar a Constituição de 1988, entrou tardia e timidamente no clube dos países que apostaram na ampliação dos direitos e deveres da cidadania moderna. Submetidos, ao longo de mais de quatro séculos, à dialética do obscurecimento que regia as relações de poder numa sociedade marcada pelo vezo colonial-escravocrata e, depois da Independência, pelo coronelato primário-exportador, os brasileiros subalternos deram na Constituinte passos importantes para alcançar os direitos do indivíduo moderno.
Diante das palavras otimistas de Ulysses, no entanto, ocorreu-me relembrar que a vitória na Constituinte não conseguiu eliminar as consequências da derrota na campanha pelas diretas. A busca açodada pelo voto indireto no Colégio Eleitoral não prescindiu da cumplicidade de muitos que estavam na oposição, mas temiam a "radicalidade" de um governo eleito pelo povo. Constrangidos a participar dos comícios, tais "oposicionistas" acenavam com a mão esquerda para os cidadãos aglomerados nas praças, mas cuidavam de livrar a direita para montar os arranjos da eleição indireta. Por isso, os náufragos do regime militar conseguiram chegar à praia, acolhidos pelo bote salva-vidas capitaneado pela turma do deixa-disso.
A campanha pelas diretas promoveu uma forte mobilização popular, mas não teve forças para derrubar as casamatas do poder real que, desde sempre, comandam nos bastidores a política brasileira. Essa turma não tem o hábito de dar refresco ao inimigo. Em suas fileiras abrigam-se os liberais que apoiam golpes de Estado, as camadas endinheiradas e remediadas que mal toleram a soberania popular e as gentes midiáticas que abominam a opinião divergente.
Os brasileiros -- alguns hoje se manifestam nas ruas -- foram submetidos a um processo de "esquecimento coletivo" promovido por uma conspiração de silêncio. A conspirata envolve não só os governantes esbirros do conservadorismo, os senhores da mídia, mas também o sistema educacional -- do ensino básico ao superior -- empenhado em formar analfabetos funcionais ou, na melhor das hipóteses, especialistas incapazes de compreender o mundo em que vivem.
A íntegra.