Uma das coisas que sempre me impressionaram na velha imprensa é como uma informação importante e desprezada de repente ganha destaque. Antes tarde do que nunca, diz Poliana. Enquanto o prefeito Lacerda faz e refaz ano após ano o tal corredor de transporte que virou BRT e cujas obras só atrapalham mais o trânsito, o prefeito Haddad, de São Paulo, abriu faixas exclusivas de ônibus, que acabam com o engarrafamento para quem usa transporte coletivo. Não é preciso realizar obras caras -- isso é só para dar dinheiro para empreiteiras e fazer caixa de campanha. Imagina a Avenida do Contorno com faixa exclusiva para uma linha de ônibus, integrando todo o centro, com ônibus passando de cinco em cinco minutos, ou menos, conforme o horário. Imagina todas as avenidas importantes com faixas assim. Mas para isso é preciso tirar os carros estacionados, o que a prefeitura não faz, porque, além dos carros, privilegia a arrecadação do estacionamento rotativo. O ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa ensina o modelo "há mais de uma década" -- Lacerda até já o visitou, mas não aprendeu nada. Só aprende quem quer.
Da Folha de S. Paulo.
Ex-prefeito de Bogotá diz que único jeito para trânsito é restringir carros
Flávia Marreiro
Ex-prefeito de Bogotá, o economista Enrique Peñalosa, 59, entusiasma-se com o fato de os protestos de junho terem colocado a mobilidade urbana em pauta no Brasil porque a questão simboliza "liberdade" e "equidade".
Responsável por implementar o amplo sistema de corredores de ônibus da capital colombiana há mais de uma década, faz defesa enfática da expansão das faixas de ônibus em São Paulo pelo prefeito Fernando Haddad (PT).
"Quando um ônibus passa ao lado de carros engarrafados, temos um símbolo de democracia. O interesse coletivo está acima do particular", afirma Peñalosa.
- O prefeito de SP acelerou a implementação de faixas exclusivas para ônibus, mas há críticas à falta de ajuste das linhas e às interferências de carros. O que acha?
- Enrique Peñalosa - Não posso entrar nos detalhes técnicos de São Paulo, pode haver erros na implementação técnica, mas admiro o prefeito por dar importância aos corredores de ônibus. O mais importante em uma discussão é a estratégia. Pode haver erros na tática, mas não na estratégia. A dificuldade para solucionar o problema do transporte não é técnica nem econômica.
Podem fazer mais duas ou três linhas de metrô, e não vai consertar o trânsito, pode-se fazer mais vias, e não vai consertar. Os ônibus com faixa exclusiva e os metrôs podem consertar o problema da mobilidade, mas não dão jeito no trânsito. A única maneira de dar um jeito no trânsito é com restrições ao uso dos carros. E a restrição mais óbvia de todos é a de estacionamento. Em São Paulo ainda há muitas ruas em que os carros podem estacionar.
Com metrô ou sem metrô, nunca será possível resolver o tema da mobilidade sem um bom sistema de ônibus.
- A prefeitura deve revisar ou não a decisão de permitir que táxis com passageiros usem os corredores e faixas?
- Não se deve permitir os táxis. Pode ser que em algumas situações isso não seja um problema, e teriam de ser estudados os detalhes técnicos, mas, a princípio, nada que provoque a mais mínima demora aos ônibus deve ser permitido. Um táxi leva uma pessoa, e um ônibus pode levar até cem passageiros: o segundo tem direito a cem vezes mais espaço.
Além do mais, em sociedades tão desiguais como as nossas, se damos privilégios aos táxis terminaremos com um sistema onde os ricos têm um táxi com contrato permanente, ou quase permanente.
- O aumento da passagem em SP foi o estopim das manifestações de massa de junho, e uma proposta central foi a gratuidade do transporte. O sr. acha viável?
- É interessante que os protestos surjam ao redor da mobilidade porque a mobilidade é uma nova expressão de liberdade. Tem a ver com equidade. Mais importante do que a luta pela gratuidade agora é lutar por uma distribuição mais democrática do espaço viário, que dê mais e melhor espaço aos pedestres, mais corredores de ônibus, ciclovias protegidas. É a luta mais importante agora.
A íntegra.