No jogo entre Atlético PR e Vasco em Joinvile não
havia PM dentro do estádio. O policiamento ficou a cargo
de segurança privada, contratada pelo Atlético PR, mandante do
jogo. Muitas vozes nas emissoras de televisão que transmitiram ou
cobriram o jogo condenaram a segurança privada e clamaram
pela presença da PM no estádio. A briga interrompeu a partida por mais de uma hora e quatro feridos foram levados para um hospital local,
um deles em helicóptero.
Os fatos são graves, mas é preciso vê-los com clareza. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A primeira coisa a dizer é que também os narradores e comentaristas de futebol devem se preparar para falar ao vivo, pois são responsáveis por influenciar a opinião de milhões de pessoas que os ouvem e veem.
Os fatos são graves, mas é preciso vê-los com clareza. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A primeira coisa a dizer é que também os narradores e comentaristas de futebol devem se preparar para falar ao vivo, pois são responsáveis por influenciar a opinião de milhões de pessoas que os ouvem e veem.
Bradar contra policiamento privado dentro dos estádios é uma bobagem grave, por vários motivos. Em primeiro lugar, porque a questão não é a presença da PM, mas um policiamento que dê segurança e a PM não é garantia disso. O que vemos com frequência é a PM igualmente despreparada para lidar com policiamento em estádios. Além disso, sendo a força armada que é, ela comete covardias e se torna ela mesma fator de violência, como vimos inúmeras vezes dentro de estádios e, fora deles, nos protestos de junho e na repressão a manifestantes e jornalistas, durante a Copa das Confederações.
A PM não é solução. Ela é uma polícia organizada pela ditadura para atuar na repressão popular e continua a mesma, depois de 28 anos de democracia. Ela precisa ser substituída por uma polícia da democracia preparada para atuar na segurança pública, e não na repressão; para evitar e conter a violência e não praticá-la ou estimulá-la. Não cabe à força policial pública, preparada para atuar na democracia, fazer policiamento de eventos privados, como um jogo de futebol. A lei municipal de Joinvile está correta e não deve ser atacada neste momento. A questão aí é outra.
É óbvio que um evento privado que reúne multidão, seja ele qual for, precisa ter segurança. Não para conter brigas de torcidas – este é outro assunto. Precisa ter segurança porque qualquer grande aglomeração envolve riscos de brigas, de conflitos generalizados, de correria, de pisoteamento, de acidentes, de sinistros. É preciso que esteja presente um corpo de segurança para lidar com multidões, que saiba o que fazer para prevenir e remediar possíveis problemas.
Defender que a presença da PM armada é a solução para o problema é julgar que brigas entre torcedores fazem parte do futebol. Não é verdade. Estádio não é local de brigas como esta, é um local onde os torcedores vão para se divertir, como se vai a um show, ao cinema, ao teatro. As torcidas organizadas e as brigas que elas promovem são um fenômeno social relativamente recente. O futebol no Brasil mobilizou milhões de torcedores apaixonados durante décadas sem que brigas como a de hoje acontecessem.
O que dá segurança a um estádio, assim como a um show, a um teatro ou cinema, não é a polícia, muito menos a PM, que não é preparada para tais situações, como a experiência demonstra. O que dá segurança a um jogo de futebol é um plano de segurança, um esquema de segurança, a existência de condições de segurança, que vão muito além de policiamento. Precisamos de estádios seguros e não simplesmente de polícia nos estádios.
É preciso lembrar que a transferência do jogo entre um time do Paraná e outro do Rio de Janeiro para uma cidade de Santa Catarina já ocorreu como punição. Que tipo de punição é essa que possibilita um conflito ainda mais grave? Os organizadores do futebol brasileiro não cuidam da segurança como devem, este é o fato. Os jogos de futebol e os campeonatos brasileiros não contam com um plano de segurança, que, como já disse, vai muito além de policiamento.
Joinvile é um município senão pequeno bem menor do que o Rio e Curitiba, provavelmente não tem histórico de brigas entre torcidas que levasse a cidade a se preparar para uma confusão como a de hoje; seu contingente policial certamente não é o de uma grande metrópole e nem é razoável que seja destacado para impedir conflitos entre criminosos que vêm de outros estados. Joinvile não tem nenhuma responsabilidade sobre o que aconteceu, ao contrário, só teve prejuízos, ao se ver diante de uma violência importada. É leviano bradar contra a lei e as autoridades catarinenses por conta de um acontecimento que não foi provocado pela população local e sobre a qual não têm responsabilidade.
O Atlético PR sim tem responsabilidade sobre o que aconteceu. Ao alugar o estádio, assinou um contrato que previa que a segurança ficaria sob sua responsabilidade; poderia até contratar a PM, mas teria de pagar por isso, e não há nada de errado nisso, que obedece lei estadual. O Atlético PR optou por contratar segurança privada, o que também não tem nada de errado – aparentemente fez isso para gastar menos e lucrar mais. O fato é que quando a briga começou não havia policiamento nenhum nas arquibancadas, a segurança privada demorou a aparecer, foi insuficiente e incompetente.
O ponto principal desta questão é que a briga que fez quatro vítimas graves, assim como outras, que já provocaram mortes, não é um acontecimento acidental num evento de multidão. Não é uma simples briga entre torcedores de dois times, motivada pela rivalidade, pela hostilidade, pela paixão que extrapola limites. Trata-se de uma briga entre gangues, um conflito premeditado, um ato criminoso cometido por gente que vai ao campo não para torcer, mas para brigar, ferir, matar; gente que viaja de um estado a outro, de um país a outro até, para isso. E é assim que precisa ser tratada.
A iminência de uma Copa do Mundo no Brasil exige que a questão da segurança nos estádios e especialmente a violência das chamadas torcidas organizadas sejam enfrentadas e o governo federal, que tanto empenho teve em trazer o torneio para o País, precisa tomar a iniciativa de ação. É menos uma questão de descobrir grandes soluções do que de agir.
A famigerada lei da copa, famosa por suas aberrações, deveria prever o combate à violência nos estádios. Se não o fez, é hora do governo federal fazê-lo. Possivelmente, não depende de nova lei para isso, basta criar um grupo de especial na Polícia Federal encarregado de investigar o crime organizado promovido por essas gangues: identificar seus integrantes nas principais cidades onde atuam e os cartolas que os sustentam, processá-los e puni-los. Certamente a legislação brasileira será suficiente para isso, mas se não for, que se aprove lei tipificando esse crime.
Está é também uma boa oportunidade para que o jornalismo esportivo reflita sobre suas responsabilidades e se prepare adequadamente para elas.