Brasileiros ignorantes e preconceituosos costumam comparar seu país atrasado, corrupto e mal educado à Europa maravilha, onde tudo funciona e o povo é educado. Ignorância e preconceito impedem a visão da realidade: o Brasil tem seus defeitos, muitos, importados da Europa pelas elites que tentam fazer aqui uma cópia defeituosa do que veem lá. Assim como no Brasil populações indígenas são expulsas e o ambiente é destruído pela expansão do agronegócio e da mineração e pela construção de hidrelétricas, na Alemanha isso também acontece, como se lê na reportagem abaixo -- apesar de todo o "progresso" europeu, de todo o "desenvolvimento", de toda a "cultura", de toda a "educação". De fato, lá é até pior: os moradores despejados têm que se virar sozinhos, pois não ganham uma "casa nova", como acontece no Brasil.
Entre 30 mil pessoas comuns e o capital, a justiça escolheu o capital; entre o ambiente e o capital, a justiça escolheu o capital; entre a história e o capital, mais uma vez escolheu o capital.
Acima de qualquer bem na nossa época está o capital, senhor do mundo. Inventado na Europa. A Alemanha também tem seu STF e seu Joaquim Barbosa; lá, como aqui, "interesse do capital" é chamado pelo eufemismo "interesse público". Da mesma forma, destruição ambiental é chamada de "progresso" e "desenvolvimento", para justificar injustiças e arbitrariedades.
"Gerar eletricidade" é gerar energia para as empresas, não é para o consumidor residencial; as empresas ainda recebem subsídio pela energia que compram e pagam tarifa mais barata do que a população, que por sua vez paga mais do que deveria, para compensar -- como acontece também em Minas Gerais.
O que a ação irracional do capital efetivamente faz, em busca do lucro para poucos, é mudar as condições de vida na Terra de tal forma que a sobrevivência da espécie humana se tornará impossível para as futuras gerações. Também destrói todos os laços culturais que nos mantinham ligados às gerações passadas, à história humana.
O capital é imediatista e proclama: "os problemas das próximas gerações caberá a elas resolver". As polianas da economia capitalista reforçam este raciocínio: "o avanço tecnológico possibilitará a solução dos problemas", dizem.
Nada disso é plausível, muito menos verdade, é só ideologia: discurso para enganar, justificar e conquistar simpatia, do qual a publicidade -- elevada à condição de "arte" -- é a mais bem acabada expressão.
A única certeza é que toda a destruição tem como motivação a geração de lucros para poucos e a perpetuação do capital.
Do DW.
A mina de carvão que extinguiu um vilarejo de 800 anos na Alemanha
Após décadas de impasse, Justiça decidiu pela desapropriação da área em torno do campo de Garzweiler. Até 2045, mais de 30 mil moradores terão de deixar suas casas, muitos deles de Immerath, aldeia fundada no século 12.
Todos os moradores têm que estar fora da velha Immerath até 2014, quando chegam as escavadeiras para começar a demolição. Sob a localidade há jazidas de linhito, tipo de carvão mineral com elevado teor de carbono, utilizado para gerar eletricidade. A operadora de energia RWE, responsável pela exploração da área, já contratou empresas de segurança para patrulhar o local.
Enquanto isso, vão inexoravelmente se aproximando as escavadeiras rotativas, que arrancam da terra o ouro negro com que se produz eletricidade. E dinheiro. Tanto, que a RWE Power pode se permitir comprar e arrasar regiões inteiras, com suas casas e plantações junto.
Desde meados do século passado, os habitantes da região no estado da Renânia do Norte-Vestfália, entre Aachen, Mönchengladbach e Colônia, se transformaram em refugiados, para que em algum outro local as casas tenham luz e as geladeiras funcionem.
Até o final da extração dos 1,3 bilhão de toneladas de carvão do campo de exploração Garzweiler 2, em 2045, mais de 30 mil pessoas de 80 localidades da região estarão vivendo numa casa nova. O que não significa que tenham reencontrado um novo lar.
Esse processo de erradicação acarreta inúmeros problemas. Até hoje, cidadãos como Stephan Pütz consideram uma humilhação o fato de a administração municipal de Erkelenz ter instado os habitantes afetados a contatar a RWE para tratar da remoção. Afinal, ninguém queria deixar sua terra por vontade própria. O certo, do seu ponto de vista, seria a empresa ter ido até eles.
A RWE também não disponibilizou casa nova para os removidos. Eles é que foram obrigados a organizar tudo, desde o local até a mudança. Um processo que dura anos. Pütz diz duvidar que o Estado tenha o direito de interferir nos planos de vida dos indivíduos por um período de tempo tão longo.
Assim, juntamente com a Federação para Meio Ambiente e Proteção da Natureza da Alemanha (Bund, na sigla em alemão), ele entrou com o processo no Tribunal Federal Constitucional. Em 2007, porém, a instância superior, o Supremo Tribunal Administrativo, em Münster, decidiu que a remoção correspondia ao interesse público e que, portanto, os cidadãos podiam ser desapropriados, de fato.
Nesta terça-feira (17/12), a decisão foi confirmada em última instância pelo Tribunal Federal Constitucional. Para Stephan Pütz, a expulsão tem um componente de violência, mas a massa se resignou ao seu destino. "Não há nada a fazer", dizem os cidadãos e políticos locais, dando de ombros.
A íntegra.