segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Pobre país, pequeno ex-presidente

Neste artigo, Luís Nassif diz uma coisa que sempre me passa pela cabeça quando leio alguma declaração do ex-presidente FHC: como seria bom se ele tivesse a sabedoria de usar sua experiência de ex-presidente, eleito e reeleito, além de um homem idoso e intelectual, para favorecer conciliações e a busca de objetivos nacionais, acima dos interesses partidários. Fosse assim, poderia ser melhor ex-presidente do que foi presidente, talvez voltasse a ser admirado pelos brasileiros, compensasse os crimes que cometeu com as privatizações e a compra da sua reeleição e até talvez passasse à História como um estadista, em vez de se diminuir cada vez mais, a ponto de estar se tornando um anão.
A democracia xerox brasileira não compreendeu essa qualidade que o presidencialismo americano tem, que põe ex-presidentes num pedestal, no qual evitam se meter no governo dos sucessores, mesmo que sejam do partido inimigo. Tampouco a imprensa americana lhes atribui o papel de corvo. 
O presidencialismo -- ao contrário do parlamentarismo, que mantém, além do chefe de governo (primeiro ministro), também um chefe de Estado (rei ou presidente) -- precisa disso, porque nele o presidente exerce os dois papéis (chefe de governo e chefe de Estado) e o chefe de Estado não representa um partido, mas todo o povo, a Nação, valores permanentes etc. Quando um presidente deixa o governo, ele conserva a aura de chefe de Estado e mantém o status de símbolo nacional. Os americanos veneram seus ex-presidentes, é o que se diz e acho que é verdade, pelo menos até certo ponto.
Nós que recusamos o parlamentarismo, precisamos aprender isso com os ianques, do contrário a democracia brasileira continuará se debatendo entre irresponsáveis ataques mútuos carregados de desrespeito e sujeita a golpes dados por aqueles que se consideram guardiões da República por a terem inaugurado em 1889. O baixo nível de políticos como FHC alimenta a aversão à política pelo cidadão comum e favorece soluções autoritárias, como observa Marcos Coimbra. Suspeito que esse papel de ex-presidente estadista caberá a Lula e Dilma inaugurar entre nós, presidentes que, ao contrário dos anteriores, vivem em comunhão com o povo, por terem vindo dele, por mais que se curvem às elites proprietárias. Oxalá vivam bastante para isso e estejam à direita do presidente que os suceder.

Do jornal GGN.
Tempos embrutecidos e a falta de rumo político 
Luís Nassif

Na Folha, o diretor do Datafolha Mauro Paulino explica a falta de fôlego da oposição pela ausência de ideias. (...) E aí entra-se nesse paradoxo da maioria dos entrevistados bradar por mudanças e continuar apostando na reeleição de Dilma – que também não está conseguindo apontar para as mudanças.
Ontem, no Estadão, o principal formulador da oposição – ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – dá sua fórmula, a começar pelo título do artigo: "Sinais alarmantes", onde o supostamente grande intelectual chega ao fim da linha produzindo um pastiche de Demétrio Magnolli. Poderia ser de Boris Fausto, de Sergio Buarque, de José Murilo de Carvalho. Mas é do Magnolli.
(...) Sempre fui crítico de FHC, desde os tempos em que, nomeado Ministro da Fazenda de Itamar Franco, demonstrava total falta de aptidão para governar, mudar a realidade, ser minimamente proativo.
Mas fiz um elogio final ao seu governo, em um ponto específico: na arte de garantir a governabilidade. O artigo chamava-se "Uma obra de arte política" e comparava a situação do país com o caos político que balançava a Argentina. Falava das dificuldades do presidencialismo de coalizão e de como FHC desenvolveu uma técnica, a de lotear parte do governo para garantir a base aliada, enquanto governava com a outra.
Vaidoso como era, FHC solicitou ao norte-americano autor de sua biografia – recém lançada no final de seu governo – a incluir o artigo na segunda edição.
O que ele fez foi elaborar o modelo político posteriormente adotado pelo PT para garantir a base parlamentar e a governabilidade. Loteou o governo, fez parcerias com ACM, Sarney, Jader Barbalho e o diabo – assim como o PT. Imoral? Certamente. Criticável? Sem dúvida. Mas é a única forma de garantir a governabilidade enquanto não vier uma reforma política adequada.
(...) Nada contra a hipocrisia: faz parte do jogo político. O mesmo PT, cujo governo agora é alvo reiterado de denúncias, recorria a essa parceria com a imprensa nos tempos em que nem era poder nem dispunha de discurso para se contrapor ao Real. E, na oposição, era crítico reiterado dos pactos políticos espúrios, dos quais, como governo, passou a se beneficiar. O que causa espécie em FHC é que ele poderia, na qualidade de ex-presidente, tornar-se uma das vozes referenciais do país.
Tem-se um modelo institucional desmanchando-se, seja no presidencialismo de coalizão, no modelo jurídico, no desenho partidário, nos abusos da mídia. E, sob esse terremoto, emerge como um furacão o que, em outros tempos Ortega y Gasset classificou como "a rebelião das massas".
São momentos em que há a inclusão de novos atores políticos – nos anos 1920, as massas na Europa recém urbanizada junto com a revolução do rádio; nos anos 2010 não apenas a inclusão social no país, mas a inclusão política através das grandes redes sociais – e o sistema institucional não dá conta dessas demandas.
As consequências são o estouro da boiada, a exacerbação da violência, a desmoralização ampla de qualquer princípio jurídico ou de qualquer forma de conhecimento “especialista”, a perda de rumo.
Para o bem ou para o mal quebram-se todas as hierarquias institucionais e de conhecimento que as sociedades democráticas se valem para manter a boiada sob controle. Sem rumo, pode ser a ante-sala do autoritarismo.
A íntegra.