O ministro da Fazenda, Guido Mantega, garantiu que Confins e outros aeroportos não serão privatizados, com se especula. Baseado num bom histórico da desestatização realizada nos últimos vinte anos, o artigo abaixo sustenta que as privatizações do governo Dilma são diferentes das privatizações promovidas pelos governos FHC, mas também informa: o governo Lula nunca deixou de privatizar -- a aparência conflitante dos discursos esconde a continuidade silenciosa dos governos. O articulista dá pistas de respostas para duas perguntas que os eleitores brasileiros certamente farão aos petistas: em que suas privatizações são diferentes das privatizações tucanas? Por que o PT passou de crítico intransigente das privatizações a privatizante? Uma coisa é certa: a web -- em especial a Agência Carta Maior -- cumpre papel que a velha imprensa não cumpre mais, o de mostrar vários pontos de vista e respeitar a inteligência do leitor, deixando que ele tire suas conclusões.
Da Agência Carta Maior.
Mais focada, privatização de Lula-Dilma não tem abrangência da era FHC
Marcel Gomes
Apesar do discurso de lideranças tucanas, a política de privatização do governo federal na era Lula-Dilma possui características distintas daquela realizada na administração de Fernando Henrique Cardoso. Nesta quarta-feira (8/2/12), FHC defendeu, após o leilão dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília, que "privatização não é uma questão ideológica".
No Congresso, parlamentares do PT e do PSDB deram início a uma guerra de palavras. Para uns, o governo petista fez o mesmo que o tucano, apesar do discurso antiprivatização da campanha. Para outros, o modelo de concessão de aeroportos não privatiza um bem público, uma vez que o governo manterá parcela acionária e o retomará em no máximo 30 anos.
Ainda que se aceite essa ponderação, é inegável que o governo abriu mão de boa parte do controle de três dos terminais mais importantes do País. Privatizou, ainda que temporariamente. Mas também é inegável que fez isso de maneira distinta do que ocorrera no passado. No cerne da questão estão a abrangência das operações realizadas e o papel que se deseja para o Estado no ordenamento econômico.
Na era FHC, a privatização era uma estratégia-chave para alterar as funções do Estado brasileiro na economia. Com as estatais endividadas, avaliava-se que a capacidade de o Estado promover investimentos, tarefa historicamente cumprida, estava abalada, tornando-se fundamental impulsionar o setor privado. Era necessário por fim à era Vargas, dando um choque de capitalismo ao Brasil. "Na redefinição do papel do Estado, caberá ao setor privado uma presença significativa, sobretudo nos investimento em infra-estrutura", escreveu FHC em seu programa de governo lançado como livro em 1994, o Mãos à obra, Brasil.
(...) A partir de 2003, com o fim do ciclo tucano e o início do governo Lula, a privatização saiu do primeiro plano da agenda nacional. Entretanto, jamais deixou de ser executada, no sentido de concessão a agentes privados da execução de obras e de serviços antes públicos. A estratégia, porém, foi restrita a alguns setores do governo, em especial o elétrico. Essa área era comandada pela então ministra da Minas e Energia Dilma Rousseff, que permaneceu no cargo até ser promovida à Casa Civil, em junho de 2005. Era um sinal de que a atual mandatária confiava em parcerias com o setor privado.
(...) Em 2006, o governo incluiu no PND as instalações de transmissão de energia elétrica da Rede Básica do Sistema Elétrico Interligado Nacional. A outorga de concessões para exploração de empreendimentos de transmissão continuou. Em 2007, o sistema de concessões foi absorvido pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que licitou 2,6 mil km de rodovias federais. De modo distinto às administrações tucanas, a estratégia foi negociar tarifas de pedágio menores.
Também data desse ano o decreto que inclui no PND o trem-bala entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro.
(...) Depois do setor elétrico e das rodovias, foi a vez de o setor aeroportuário entrar no PND, por meio do Aeroporto Internacional de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Seria o prenúncio dos leilões agora realizados e que resultaram na concessão dos terminais de Guarulhos, Campinas e Brasília.
Ainda que as privatizações de Lula-Dilma tenham deixado o setor elétrico e de telecomunicações e chegado às rodovias e aos aeroportos, sua abrangência permanece reduzida em relação aos sentidos da privatização no governo FHC. O que domina a agenda pública agora é um retorno ao papel planificador do Estado.
A íntegra.