Historiador mostra que a tentativa da administração Lacerda de coibir o carnaval de rua não é nova em BH, vem do começo do século XX. Não é de hoje que os governantes da elite não gostam das manifestações espontâneas do povo. Pra eles, só vale "evento" com "patrocínio".
Do jornal O Tempo.
Abre alas para a folia
Marcos Rezende, historiador
Tudo indica que o carnaval de Belo Horizonte recebeu novo impulso. Após duas décadas resistindo ao anonimato, ele retornou, agora, não mais para exigir da prefeitura o apoio (sempre irrisório) para as tradicionais escolas de samba e grupos caricatos. Menos ainda para tratar do local de seus desfiles. O tema da vez é a presença crescente dos blocos de rua, não obstante a insistência do poder público em vigiar e ordenar aquilo que, por natureza, é desordenado. Há tempos, convive-se com a tensão entre os defensores do carnaval "civilizado" e daquele outro marcado pela espontaneidade dos foliões. No começo do século XX, o entrudo -- conjunto de folguedos realizado 40 dias antes da Páscoa -- era condenável aos olhos das autoridades policiais e dos políticos cariocas. Contra a sátira, as pilhérias e as injúrias carnavalescas, preferiam os bailes à moda "veneziana". O carnaval de rua representava uma ameaça aos bons costumes e era uma festa inadequada às famílias ou gente decente. Contudo, a retomada dessa forma alegre e democrática de pular carnaval exige uma reflexão sobre duas situações noticiadas por este jornal. Primeira, a preocupação dos organizadores em não divulgar datas e locais de concentração dos blocos sob o pretexto de não perder o controle da iniciativa. Nessa mesma direção, incidem as exigências da prefeitura para a liberação dos cerca de 40 blocos previstos para 2012: taxas de alvará, declaração de duração do desfile e mapa do trajeto a ser percorrido. O poder público não perdeu a mania de querer determinar os espaços e as formas do convívio social. Em nome da segurança, se faz necessário, em ambas as condições, coibir o inesperado. Carnaval é irreverência e não me surpreenderia se as músicas não pudessem mais citar, como outrora, os banhos de Brigitte Bardot que não conseguia molhar os pés. Ficaríamos apenas com as rimas da Rua da Bahia. Sem os limões cheirosos e com a participação reduzida de foliões -- a não ser que algum conhecido me mande um e-mail revelando o dia, o lugar e o horário do cordão.
A íntegra.