A gente se espanta ao saber, nos livros de história, que o voto no Brasil, durante toda a Monarquia mas também na República, até meados do século XX, era restrito a homens que tinham propriedade. Ou seja, uma pequena parcela da população, da qual ficavam excluídas todas as mulheres e todos os trabalhadores. E isso era chamado de república e de democracia (governo do povo, governo da maioria). O modelo atual também é chamado de democracia, mas quantos trabalhadores estão representados no Congresso? Quantas mulheres? O processo pelo qual um cidadão se torna político e recebe um mandato popular é mediado pelo dinheiro. Na transição da ditadura militar para a democracia, os ricos tiveram de equacionar seu velho dilema: como é que continuaremos mandando, se somos minoria e agora dependemos do voto da maioria pobre para ser eleitos? Resolveram a questão transformando a eleição num processo caro, que só pode ser vencido por aqueles que têm muito dinheiro. Sem dinheiro não se é eleito; ao financiar a campanhar dos políticos profissionais -- qualquer político, de qualquer partido --, os ricos passaram a controlar seus mandatos. Assim, temos as bancadas dos ruralistas, dos donos de escolas, dos donos de concessão de rádio e tevê etc. -- todas elas minorias incapazes de eleger um representante talvez, mas capazes de financiar campanhas de políticos capazes de conquistar os votos dos pobres. O ex-presidente Collor foi o melhor exemplo disso, mas é no Congresso que o modelo pode ser visto com mais clareza. O direito de votar, hoje, é praticamente o ideal -- todos os homens e mulheres com 16 anos ou mais; ser eleito, no entanto, continua sendo para poucos, para aqueles que têm dinheiro -- seu ou de padrinhos ricos. Não há relação de representatividade entre eleitores e eleitos, ainda mais agora que o PT -- Partido dos Trabalhadores tornou-se o melhor administrador do capitalismo e (pelo menos alguns dos) seus dirigentes recebem dinheiro de entidades empresariais.
Da Agência Carta Maior.
Democratização ou mercantilização da política
Por Emir Sader.
O neoliberalismo se propõe a transfomar tudo em mercadoria. Que tudo tenha preço, que tudo se possa comprar e vender. Essa proliferação do reino do dinheiro chegou em cheio à política. E o financiamento privado das campanhas eleitorais é a porta grande de entrada, que permite que o poder do dinheiro domine a política. Dados concretos mostram como as campanhas com maior quantidade de financiamento têm muito maior possibilidade de eleger parlamentares. E que o Congresso está cheio de bancadas corporativas – de ruralistas, de donos de escolas particulares, de meios de comunicação, de donos de planos de saúde, entre tantos outros – que representam os interesses minoritários em cada setor, que se elegeram graças a campanhas que dispõem de grande quantidade de recursos econômicos. O Executivo representa o voto da maioria da sociedade. O Congresso deveria representar sua diversidade, tanto a maioria como a minoria, assim como os diversos setores presentes na sociedade. Basta ver o tamanho da bancada ruralista – que representa a ínfima minoria da população do campo, os donos de grandes parcelas de terra – e a representação dos trabalhadores rurais – 3 parlamentares para representar a grande maioria da população do campo – para se ter ideia da distorção que a presença determinante do dinheiro representa para definir a representação parlamentar. O Congresso termina representando a minoria que dispõem de dinheiro para se eleger e nao espelha a realidade efetiva da sociedade. Terminam decidindo em nome de todos, mesmo com essa representação distorcida. Por isso eles defendem com unhas e dentes o financiamento privado de campanha, que representa a tradução em representação política de quem tem mais dinheiro e não da vontade política soberana do conjunto da sociedade.
A íntegra.