Entrevista esclarecedora da urbanista Emínia Maricato, que ajudou a elaborar o "Minha Casa, Minha Vida" e a criar o Ministério das Cidades. Ela diz que a questão da moradia entrou na agenda do governo federal, mas a questão urbana, não:
"- Foi retomada a política de habitação e saneamento no governo Lula. Já a questão urbana não entrou, pois essa questão não trata apenas de obras. A questão urbana é, principalmente, a questão fundiária e imobiliária. Mas não entrou inclusive porque é de competência municipal...
- O problema do federalismo.
- Sim, a política urbana é de aplicação complexa no Brasil, porque o município é muito autônomo. E o poder local do município é um poder dominado pelo capital imobiliário e pelos proprietários de terra.
- Trata-se da origem na questão da luta de classes, propriedade de terra?
- Trabalhei quatro décadas fazendo proposta de governo e estou explicando isso, pois digo que não falta lei nem planos para organizar as cidades. Não há nenhum plano de transportes que não comece dizendo que o transporte coletivo é prioritário. Plano todo município brasileiro com mais de 20 mil habitantes tem. Agora, como que algumas capitais lá no Nordeste, ou no Norte, ainda tem mais de 50% da população morando ilegalmente, fora de qualquer plano ou de qualquer lei? Porque existe uma materialidade, que está na produção do espaço e nos interesses que regem essa produção, e que simplesmente é ignorada.
- Como em Pinheirinho, onde se observou essa materialidade.
- O caso de Pinheirinho aconteceu aqui do nosso lado, perto de São Paulo, não foi no interior do Pará. E ficou claro como se dá a decisão judicial, com aparato bélico. A lei que a juíza tem na cabeça, aquela lei da propriedade privada absoluta, não existe mais no Brasil, desde a Constituição de 1988. Não existe mais e, no entanto, ainda está na cabeça dos juízes, e isso é duro. Agora, existe uma ilegalidade como regra no campo brasileiro. Há uma bibliografia imensa sobre fraudes registrárias no País. No meu ponto de vista, o código está sendo apoiado para regularizar as propriedades. No entanto, quando eles invadem isso não gera protestos. Isso não é discurso radical, trata-se de algo científico, tenho pilhas de artigos sobre isso.
- Pegando o exemplo do município de São Paulo, novamente. O que inibe a entrada de empreendedores nas regiões centrais, para a construção de moradias populares?
- O lucro."
A íntegra da entrevista no blog do Luís Nassif.