Boa matéria da CartaCapital, porque vai além dos acontecimentos do dia, explorados com sensacionalismo pela velha imprensa. Não é um problema só de greve, não é um problema de salário, não é uma questão de polícia nem de segurança apenas. É um problema de organização do Estado, do modelo herdado dos governos militares e que não foi mudado, porque em 1985 as elites fizeram um acordo para passar da ditadura para a "democracia" sem ruptura. A mesma estrutura arcaica, violenta, incompetente e gigantesca (a PM paulista, por exemplo, tem praticamente a metade do efetivo do Exército brasileiro) continua funcionando, com o agravante da sindicalização, isto é, em vez da submissão cega à hierarquia dos tempos da ditadura, agora os policiais vão para as ruas com armas em punho para protestar e reinvidicar. Qualquer categoria profissional em greve e armada nas ruas seria fuzilada pela própria polícia. Toda a estrutura policial brasileira precisa ser reorganizada para a democracia, mas quem vai ter coragem e competência política para fazer isso? Em outra matéria, o jurista Wálter Maierovitch diz que falta ao Brasil uma política de segurança.
Da CartaCapital.
Greve da PM: Muito além da Bahia
Matheus Pichonelli
Em pouco mais de uma semana de mobilização, a crise da Segurança Pública na Bahia colocou policiais estaduais contra forças federais, cercou o coração do sistema político local (a Assembleia Legislativa), levou insegurança às ruas e, sobretudo, mais do que dobrou as taxas de homicídio da região. São mais de 130 mortos desde o início da paralisação da Polícia Militar. Quem acompanha a greve dos policiais militares da Bahia, que na quinta-feira 9 completa seu décimo dia com impasse, tem a sensação de que o filme é o mesmo. Mudam-se os nomes, os líderes e a localidade, mas a demanda segue a igual. De um lado, policiais pedindo valorização. De outro, governantes asfixiados pelos limites orçamentários. A sensação de deja vu deixa claro que o problema não está no colo apenas das lideranças grevistas ou do governador baiano Jaques Wagner (PT). "Há um componente local: o momento exato em que está acontecendo, às vésperas do Carnaval, e a forma de negociação dos dois lados. Mas o componente geral é evidente: não é a primeira greve policial, porque já tivemos três no Nordeste", afirma Eduardo Paes Machado, especialista em Segurança Pública e Violência Urbana e Saúda da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Segundo ele, a greve aponta para a discussão sobre o próprio modelo, tamanho e funcionamento da polícia no Brasil. "Essas greves são um cataclismo. Se fosse medida como um terremoto, teria mais de sete graus (na escala Richter)", sentencia. "A perda de vidas, de horas trabalhadas, o aumento irreversível da situação de segurança… Tudo se aprofunda. E não é uma sensação de insegurança nova. Na Bahia, é um Estado de sítio interno." (...) E a questão não será resolvida, aponta o sociólogo, enquanto não forem discutidas questões como a estrutura militar e civil do policiamento, a efetividade dos gastos, e as formas como os crimes são esclarecidos. "Ainda temos uma estrutura dos anos 40 do século passado, e que a Constituição de 1988 não resolveu. Está mais do que na hora". A discussão, aponta ele, exigirá uma articulação institucional que envolva as várias esferas do poder. "A União pode muito, mas não pode tudo. Os governadores também precisam se sensibilizar." Um dos temas a serem discutidos, completa Eduardo Paes Machado, da UFBA, é o próprio tamanho dos efetivos policiais. "Temos um mandato policial exorbitante, hipertrofiado. A PM de São Paulo, por exemplo, tem o tamanho de um exército. A partir de 15 mil (soldados, a corporação) é ingovernável. A Bahia tem 30 mil. Eficiência não é tamanho. É a melhoria do relacionamento da população."
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