O Galpão é uma das cinco ou seis coisas que Belo Horizonte tem de especial. E realmente, como diz o Eduardo Moreira, um grupo de teatro levar tanta gente à rua para vê-lo, em noites frias de maio e junho, é admirável, faz parte da história da cidade.
E faz pensar em coisas como: a cidade tem um Mineirão reformado pelo Estado por R$ 700 milhões e um Independência reformado por mais algumas centenas de milhões, ambos entregues a empresas privadas, mas os times mineiros estão voltando ao velho poço do Jacaré porque os dois estádios estão às disposição da Fifa -- a Copa das Confederação só começa daqui a dez dias e nem vai ter jogo no Independência, mas a dona Fifa já tomou conta dos estádios. E os clubes não protestaram, jornalistas não protestaram (exceto na ESPN, uma exceção de dignidade nessa "grande" imprensa corrupta), torcedores nem têm voz, só pagam ingressos, camisas e tudo mais que se vende pra eles, inclusive cerveja e tira-gosto, porque agora futebol é pra ser visto em bar.
E no entanto Belo Horizonte não tem um teatro para o seu maior grupo, um dos maiores do País, que tem renome mundial. Seria preciso? A Praça do Papa é o palco do Galpão, como diz o Eduardo Moreira, ótimo e belo palco, mas quem foi lá viu como o público é maltratado, não pelo Galpão, mas pela prefeitura, pelas exigências do prefeito Lacerda para que um espetáculo possa se apresentar em praça pública, sem que a administração municipal neoliberal direitista dê nada à população, que paga impostos e reelegeu o prefeito. Ao contrário, o que encontramos foram grades, cercas, impedimentos.
Se a Praça do Papa é a ágora do Galpão e se o Galpão é o grupo de teatro de Belo Horizonte, uma das cinco ou seis coisas extraordinárias que a cidade criou em 116 anos de existência, por que não transformar aquele espaço efetivamente num teatro de arena ao ar livre?
Não é preciso muito, aliás, é preciso que não se invente moda nem se enfiem a iniciativa privada e empreiteiras na história, basta fazer arquibancadas e um palco, simples, rústicos, sem desfigurar a praça, mas melhorando as condições do público e dos atores, que mesmo mal acomodados se esforçam para se encontrar e perpetuar a relação de amor que existe entre as duas partes. Isso sim seria uma participação efetiva do Estado a favor da arte, ajudando a melhorar o que o próprio povo criou sem ele. Um exemplo e uma marca da cidade, uma ágora, uma arena -- de verdade, não essas idiotices de arenas fifa -- ao ar livre, onde um grupo de teatro admirado mundialmente se apresenta para a população da cidade, onde ele estreia suas peças, ele e outros grupos também, um teatro único no mundo, como é único o Galpão e como é única esta relação que se estabeleceu entre ele e os belo-horizontinos. Uma arena para receber mil espectadores, dois mil, três mil, cinco mil, sei lá, quem pode dizer isso é o próprio Galpão.
Mas dá medo até de pensar nisso, porque o prefeito é capaz de criar uma bh arena, entregá-la ao seu filho e privatizar definitivamente a praça, enchendo-a de confortos padrão fifa e placas de propaganda e cobrar ingresso etc. e tal, de forma que em vez da improvisação atual tenhamos de ver o Galpão pela televisão.
O Galpão na Praça do Papa e o futebol, com seus jogos da copa das confederações, são bem duas referências de dois mundos diferentes que podemos ter, um autêntico, verdadeiro, baseado numa relação de amor, no talento, na inteligência e em qualidades dos seres humanos, e outro baseado no dinheiro, no lucro, da comercialização de tudo, no autoritarismo e na corrupção.
Salve Galpão! Fifa go home!
Do blog Bastidores do Galpão
A epifania ou como o teatro superou o futebol
por Eduardo Moreira
Finalmente estreamos nosso "Gigantes da montanha". O cenário não poderia ter sido mais apropriado – a praça do Papa, diante da magnífica serra do Curral, no bairro das Mangabeiras, de onde se descortina uma bela vista da cidade ao fundo do nosso cenário. O lugar já se transformou num teatro ao ar livre permanente do Galpão. Foi lá que o grupo estreou a primeira e a segunda versões de "Romeu e Julieta" , as montagens de "Um Moliàre imaginário" e "Till, a saga de um herói torto". A praça foi também palco de nossas comemorações de vinte, vinte e cinco e trinta anos em BHZ . É triste e lamentável pensar que a mineradora MBR transformou aquele magnífico cenário num outdoor de montanha. Nosso único consolo é que fizemos o espetáculo de frente para a parte que ainda ficou de pé. E o cenário ainda é imponente, configurando-se uma verdadeira ágora grega.
O espetáculo foi abençoado por São Pedro, que nos deu uma providencial trégua aos quarenta e dois minutos do segundo tempo. Choveu na quinta, dia trinta, até quase `as 17 horas. O tempo só firmou mesmo nessas três horas antes do espetáculo, mantendo-se firme na sexta,sábado e domingo. Foram noites esplêndidas, com um agradável frio de outono, que nos fazia lembrar dos tempos em que Belo Horizonte ainda desfrutava de um clima frio e suas ruas tinham mais casas e menos asfalto e tantos automóveis. Na segunda voltou a chover forte na cidade.
Foi muito emocionante ver a praça apinhada de gente acompanhando, em silêncio atento e respeitoso, os oitenta minutos da peça. Sem dúvida, os encontros do Galpão com o público da cidade já se tornaram um acontecimento único nas artes cênicas mundiais. Em que outro lugar do mundo um grupo de teatro consegue reunir em quatro dias um público assim tão numeroso? Só para se ter uma ideia: uma peça apresentada no palco, com uma media de 250 espectadores por função, teria que fazer cem espetáculos para atingir aproximadamente essa marca de público. E tudo isso transcorreu sem nenhum incidente ou briga, nenhuma notificação policial. A única manifestação de desagravo se deu quando uma parcela do público que havia chegado quase duas horas antes do espetáculo e estava sentada no alto das escadarias, viu sua visão tampada por retardatários que se recusavam a se sentar.
A íntegra.