O Brasil foi o país que se urbanizou mais rapidamente; em apenas trinta anos, de 1950 a 1980, a proporção entre população urbana e rural se inverteu, passando a primeira de um terço a dois terços. No mesmo período, a população nacional mais que dobrou, passando de 51 milhões para 119 milhões, o que significa que a população urbana passou de de 17 para 80 milhões de habitantes.
E a situação continua se agravando: segundo o Censo de 2010, já vivem em cidades 84% dos brasileiros que eram naquele ano 190 milhões -- ou seja: 160 milhões de pessoas. De 1950 a 2010, a população das cidades brasileiras passou de 17 milhões para 160 milhões! E como foi que isso aconteceu? Sem qualquer planejamento.
As cidades incharam, bairros e mais bairros, vilas e mais vilas, favelas e mais favelas brotaram sem condições mínimas para abrigar as pessoas, muito menos para proporcionar vida digna e civilizada nas cidades. Década após década, governos melhores ou piores, bem intencionados ou corrompidos, correram atrás, quase sempre sem grande empenho, da demanda de água, luz, esgoto, transporte, saúde e educação para uma população urbana crescente.
Transporte, por exemplo. O que é planejar transportes urbanos? É construir metrôs, mas as cidades brasileiras não têm metrô, e as que têm, têm linhas improvisadas, precárias, construídas em passo de tartaruga -- Belo Horizonte é o melhor exemplo disso.
Ainda que fossem sistemas de transporte de superfície, por ônibus, era preciso que se priorizasse o transporte coletivo. E o que os governos "desenvolvimentistas" fizeram, de JK a Lula, passando pela ditadura? Incentivaram o transporte individual, porque a indústria automobilística é considerada o motor do crescimento econômico, assim como a indústria da construção. Os gigantescos problemas urbanos brasileiros são resultado da falta de planejamento, mas não de imprevisibilidade: são conhecidos e apontados desde os anos 70, o que acontece agora é só seu agravamento mais que previsível. Enquanto prevalecem interesses particulares de empresários (que em geral não moram em condomínios privilegiados e se locomovem de helicóptero e jatinho), as condições de vida nas cidades brasileiros piora dia após dia.
Da revista Teoria e Debate, via Agência Carta Maior.
Nossas cidades são bombas socioecológicas
Rose Spina
São Paulo - Não foi por falta de aviso! A urbanista Ermínia Maricato há alguns anos chama a atenção para os impasses na política urbana brasileira e alerta para o fato de nossas cidades serem verdadeiras bombas-relógio. Professora colaboradora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, da qual foi titular por mais de 35 anos, e professora visitante da Unicamp, Ermínia foi secretária Executiva do Ministério das Cidades (2003-2005) e de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo (1989-2002), no governo Luíza Erundina. A autora de O Impasse da Política Urbana no Brasil (Editora Vozes), que integra o Conselho da Cidade de São Paulo, diante de tantos obstáculos para uma verdadeira reforma urbana, não quer mais saber de cargos, quer ser movimento social, ir para a rua.
- Alguma surpresa com o fato de as manifestações ocorridas em junho terem como estopim a situação do transporte coletivo?
- Ermínia Maricato: Nenhuma. Eu estou surpresa de ver tanta gente surpresa com essa explosão, que é principalmente de classe média, mas não só. E sobre ter o transporte como o estopim. Há alguns anos falamos que o transporte é uma das principais questões. Também não estou surpresa de a direita estar na rua. Ao contrário, estava perplexa de ver a organização da direita nos veículos de comunicação, em eventos e fóruns que tenho frequentado e até em conselhos, como o de Desenvolvimento Urbano, por exemplo. Estou muito impressionada com o que está acontecendo com o chamado desenvolvimento urbano. Trata-se de uma involução, principalmente em função do mercado imobiliário.
Construímos, nos termos do capitalismo da periferia, cidades que são bombas socioecológicas devido à incrível desigualdade e segregação – nos últimos anos, com o boom imobiliário, a prioridade dada aos automóveis, às obras viárias, e ainda elevamos o grau dessa febre, com os megaeventos, a Copa. Realmente, as cidades estão entregues ao caos, a interesses privados, e as condições de vida da maioria estão piorando muito.
A íntegra.