"- Dizem por aí que o partido que está no poder é o saquarema; note
bem, que eu não asseguro, porque às vezes são mais as vozes que as
nozes; parecia-me, porém, que o compadre não se devia decidir a favor de
qualquer partido pelo simples fato de vê-lo no poleiro.
- A minha
regra é que quem está de cima tem sempre razão; e de mais, ainda não
compreendo bem o nosso mistifório político: tenha o compadre a bondade
de me explicar o que querem os tais dois partidos?
- Eis aí uma outra pergunta que me põe em sérios embaraços: o que querem os dois partidos?... conforme, compadre.
- Explique-se, por quem é?
-
Distingamos então nos partidos três entidades bem diversas: a multidão,
que é a cauda do partido; os correligionários pensadores, que foram o
corpo, e os chefes, que são a cabeça; ora agora assentemos que cada
partido é um animal de nova espécie, que tem uma cabeça sofrível, um
corpo desproporcionalmente pequeno e uma cauda mais comprida do que o atalho por onde passou ainda há pouco!
- Bem, fica isso assentado.
- O tal bicho, como é natural, é ordinariamente governado pela cabeça; digo ordinariamente, porque
quando ele se desespera, e disparata, tem um mau costume de andar às
avessas, e então a cauda arrasta a cabeça por onde lhe parece, justo
castigo, porque é a cabeça que acende as fúrias da cauda.
- Bem, e que mais?
-
Dadas essas explicações, respondo agora ao compadre: a cauda de
qualquer dos nossos dois partidos não sabe nem procura saber o que quer;
segue o movimento que lhe imprime a cabeça, e vai indo: permita Deus
que lhe não chegue a hora de se desesperar e disparatar!
- Até aqui a cauda; vamos agora ao corpo.
-
O corpo dos partidos, que é formado pelos pensadores, pensa, prega,
sustenta ideias que julga convenientes ao país; mas pode-se-lhe aplicar a vox clamantis in deserto: são idealistas, são poetas!...
- Id est: são tolos.
- Não; mas são vítimas dos velhacos.
- Já se vê, compadre Paciência, que isso não se entende comigo.
-
Os chefes dos partidos, que são a cabeça, exceção feita de meia dúzia
de homens sinceros e dedicados, que todos respeitam, são egoístas e
ambiciosos, cujos princípios políticos se resumem todos no pronome -- Eu;
trabalham só a favor de seus interesses materiais, lutam e fazem lutar
os outros só para se verem ocupando altas posições sociais, que lhes
deem dinheiro e importância pessoal. Para eles a política não passa de
uma guerra de ambições ignóbeis, que se define perfeitamente com estas
palavras já muito repetidas: "Desce tu, que eu quero subir".
(Do livro A carteira de meu tio, de Joaquim Manuel de Macedo.)