Artigo do economista Márcio Pochmann analisa a carga tributária de uma forma que a "grande" imprensa e os economistas do capital não analisam. Estes estão sempre protestando contra a alta carga tributária brasileira e o dinheiro destinado a manter "pobres vagabundos", quando na verdade acontece o oposto: o Estado arrecada impostos dos pobres e distribui o dinheiro aos ricos. "Os segmentos de menor rendimento transferem todo o mês (para os cofres públicos) praticamente a metade do que recebem por força do esforço do seu trabalho. Já os ricos, que por força de suas propriedades obtêm rendas elevadas, quase nada contribuem com o fundo público no Brasil", diz Pochmann. Por que a "grande" imprensa não diz que dinheiro do Estado perpetua a vagabundagem dos ricos? (Sem falar nos anúncios dos governos que mantêm as emissoras de tevê e rádio, os jornais e revistas – isso perpetua a vagabundagem da "grande" imprensa?) O Estado distribui dinheiro ao ricos por meio da Receita Federal: ricos abatem gastos com educação privada, saúde privada, previdência privada etc. no pagamento do imposto de renda. Aviões, helicópteros e lanchas não pagam IPVA. E por aí vai. Contra essa carga tributária injusta a imprensa dos ricos não protesta. Dinheiro público arrecadado em impostos pagos pelos pobres é distribuído pelo Estado para empresários via BNDES e incentivos fiscais. Fortunas são ganhas pelos bancos com a taxa de juros. São formas evidentes de distribuição de recursos do Estado para os ricos, contra a qual imprensa e economistas de direita não protestam, e esse dinheiro é muitas vezes maior do que o distribuído a pobres em programas tipo bolsa família. Mas há outra forma de distribuir dinheiro aos ricos, uma forma mais sutil, e que mostra como o sistema é montado para tirar dos pobres e dar aos ricos "vagabundos". Quando o governo constrói um viaduto, quando abre uma avenida, quando asfalta uma estrada, está beneficiando (portanto destinando dinheiro público) a quem? Em primeiro lugar para as empreiteiras que são contratadas para as obras. Em segundo lugar para as montadoras de automóveis, que venderão mais carros. Em terceiro lugar para as empresas que transportam seus produtos por rodovias. Em quarto lugar para os motoristas de automóveis, que estão longe de ser a maioria. Isso não é computado na conta de dinheiro para os ricos, embora seja em seu benefício. Se o pobre passa na avenida ou estrada nova, de ônibus ou moto ou carro velho, é apenas uma consequência a mais, uma forma do governo justificar a "importância social" da obra. Mas se fossem para beneficiar exclusivamente os pobres essas obras não sairiam. Basta ver a construção de metrôs, obra que efetivamente beneficia as massas trabalhadoras das grandes cidades e que estão sendo feitas há décadas, em ritmo Dorival Caymmi (sem no entanto no legar nenhuma obra prima). Nem mesmo um corredor exclusivo de ônibus decente os governos conseguem fazer. Quando os governos do capital falam em educação, a primeira coisa que fazem é construir prédios, embora o prédio seja a coisa menos importante na educação – antes dele vêm os professores, o material escolar, o horário integral, as refeições e o espaço destinado à escola. Nossas escolas públicas (e não só as públicas) são prédios cercados, quase campos de concentração para prender os alunos, quase sem espaços livres, sem áreas verdes e sem equipamentos. Numa escola podem-se formar atletas, mas para isso é preciso gastar com coisas que não interessam aos ricos. Já a construção do prédio é grana certa para empreiteiras e caixa dois de campanha. Para isso dinheiro aparece. Para pagar professores e gastar com o dia a dia da escola e possibilitar educação pública de qualidade, para isso não tem dinheiro.
Tributação dos ricos
Por Marcio Pochmann, no Valor Econômico
A trajetória do desenvolvimento contempla a existência de um sistema tributário progressivo. Ou seja, a presença de impostos, taxas e contribuições que atuam em proporção maior com a elevação da renda e riqueza. Assim, a justiça tributária se manifesta logo na arrecadação do fundo público e se mantém na medida em que o gasto governamental seja proporcionalmente maior com a redução da renda e riqueza. Para se conhecer a eficiência do Estado, basta saber a forma com que tributa a sociedade e redistribui o que arrecadou para a população.Pela tradição do subdesenvolvimento, a capacidade do Estado tributar os pobres tem sido proporcionalmente maior que a renda e a propriedade dos ricos. O inverso se estabelece na redistribuição do fundo público constituído por impostos, taxas e contribuições, uma vez que os pobres ficam geralmente com a parte menor do que contribuíram e os ricos com a parcela maior. Isso tudo porque os segmentos privilegiados demonstram inegáveis condições de pressionar o Estado a seu favor, bem mais que os demais estratos sociais, sobretudo os mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Sobre isso, aliás, valeria aprofundar o debate acerca da eficiência do Estado.