A política neoliberal de governos "democráticos" foi uma impressionante continuação da política das ditaduras militares na América Latina. Collor e FHC (mais que Sarney, presidente de um momento de transição, híbrido, e sensível aos movimentos populares que contestaram o regime de 1964-1985) fizeram aqui o que Pinochet fez no Chile. O modelo neoliberal na educação foi tentado no Brasil pela ditadura, com o chamado crédito educativo, que o movimento estudantil atacou nos anos 70 e acabou não vingando. Mais tarde, FHC privatizou o ensino superior de outra forma: expandindo as faculdades particulares e restringindo vagas e verbas para as universidades públicas. No Chile, graças à força da ditadura Pinochet, o modelo de privatização foi implantado plenamente e persiste até hoje. É contra ela que os estudantes chilenos se levantam, como mostra esta entrevista esclarecedora da presidente da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile, Camila Vallejo, ao saite da UNE. Com o fracasso do neoliberalismo e a ascensão de governos de esquerda, os movimentos sociais vão impondo a bandeira da educação pública de qualidade para todos como uma das bases de uma nova sociedade – ao lado saúde pública, do direito à moradia, do transporte coletivo e da conservação do meio ambiente.
Do saite da UNE.
Camila Vallejo: "A militância vai muito além do meu tempo na universidade, é um compromisso para a vida".
- Como foi sua aproximação com a política? Como passou a militar no movimento estudantil?
- Desde muito jovem, minha família me formou com valores políticos de esquerda, como democracia e justiça social. Com esta sensibilidade à esquerda é difícil manter-se fora da política e dos espaços que permitem fazer a mudança, especialmente em uma sociedade tão desigual e injusta como a do Chile. Foi assim que me interessei em fazer parte da política, desde muito jovem. Tal vontade se acentuou com a entrada na faculdade, de onde, finalmente, veio a adesão à juventude comunista. A partir deste momento, comecei a ser uma parte ativa de um movimento que tem sido gestado com trabalho, empenho e companheirismo.
- A principal bandeira de luta é a educação de qualidade e gratuita para os jovens, certo? Como você enxerga o cenário ideal, levando em consideração a realidade de hoje no Chile?
- É claro que a educação gratuita é uma ideia política que queremos instalar, mas sabemos que não será uma realidade em curto prazo. Antes de tal transformação, é necessário promover uma reforma tributária que impeça que a diferença socioeconômica entre ricos e pobres, hoje no Chile, se aguce. No entanto, lutamos contra um modelo essencialmente neoliberal, que vê a educação como um bem de mercado – como diz o próprio presidente do Chile – e não como um direito, visão intransigentemente defendida pela direita que chegou ao governo através de [Sebastian] Piñera. Esperamos mudar as raízes de um modelo educacional que nos mantém no subdesenvolvimento.
- Neste momento, como estão as negociações com o governo, e quais são as principais conquistas do movimento?
- Este governo tem se mostrado intransigente na hora de negociar sobre o modelo educacional que instalaram desde a ditadura militar. Não é só isso, tem se demonstrado disposto a levantar a face mais repressiva, não ouvindo as demandas legitimas e respaldadas por um movimento que as próprias pesquisas mostram ter uma aprovação superior a 80%. Até agora uma das grandes conquistas do movimento tem sido consolidar uma aprovação transversal e unificada na sociedade. Agora, depois de muitas pressões da nossa parte, estamos próximos de sentar à mesa e enfrentar cara a cara um diálogo com o presidente. Esperamos que neste espaço possamos avançar em questões concretas sobre nossas reivindicações. E que não voltem a faltar com respeito ao movimento, com uma soma de dinheiro cheia de ambigüidades, que não nos garante nenhum dos princípios que já defendemos nas ruas há três meses.
- Há quanto tempo a Universidade não é mais gratuita no Chile? Explique melhor a questão do endividamento dos alunos.
- Desde a ditadura militar, que foi quando mudou o modelo educacional no Chile. O Estado deixou de ser responsável pela educação em todos os níveis e tem um papel meramente subsidiário, deixando o trabalho para o ensino privado, a quem também é concedido o direito de lucrar o dinheiro de todos os chilenos, sob o pretexto de garantir a "liberdade de ensino". Como hoje a educação não é concebida como direito, mas sim como um bem de consumo, para obtê-la é preciso pagar. E como as universidades públicas não recebem aportes do Estado para a altura dos seus orçamentos, elas têm sido forçadas a se envolver em auto-financiamento, o que significa em palavras simples, que o seu faturamento vem principalmente das taxas pagas pelas famílias. Neste contexto, as quantias necessárias para que as universidades possam realizar seu trabalho é muito mais alta em comparação aos rendimentos recebidos por famílias chilenas. Por isso hoje, basicamente, quem quer estudar tem que se endividar, porque somente uma pequena porcentagem da sociedade tem condições de pagar altos preços pelos estudos.
A íntegra.