domingo, 16 de setembro de 2012

Veja critica tucano Azeredo

De vez em quando é bom ler uma publicação antiga. Nos faz ver como a "grande" imprensa já foi melhor. Nesta, Veja, além de informar (o que não faz mais, desde que se tornou um panfleto político-partidário contra o PT e Lula, especialmente), critica quem hoje ela só idolatra: Azeredo, o deputado da direita encarregado de criar a lei de censura à internet, quinze anos atrás era o governador "bobo", "medroso", "incompetente", que manda "quem está em cima chicotear o lombo de quem está embaixo". Esta Veja de 1997 dizia, por exemplo, que a Rotam mineira imitava os "métodos bárbaros" da Rota paulista -- hoje, quando a PM de Alckmin e Kassab invade campus universitário e desaloja sem casa, além de cometer outros crimes, a revista não a condena mais. Em 97, diz a matéria, os policiais tinham "orgulho de vestir a farda" e eram "populares". Embora, durante o governo FHC, soldados e cabos da PM recebessem soldos que "beiram o inacreditável". Enfim, nada como reler velhas revistas e jornais para ver como as coisas mudam.

Do saite da Editora Abril. 

Lições de uma greve selvagem

Governador de Minas Gerais se rendeu e
a PM já fala em parar nos outros Estados

Joaquim de Carvalho e Marcos Gusmão, de Belo Horizonte
Azeredo: o esperto fez papel de bobo
A greve da Polícia Militar de Minas Gerais terminou na noite de quinta-feira passada com dois ensinamentos. O primeiro diz respeito aos governadores: o tucano Eduardo Azeredo quis ser tão esperto que acabou fazendo papel de bobo. No início do mês passado, representantes dos 42.000 homens da Polícia Militar manifestaram insatisfação com o salário. Em vez de negociar e barganhar, Azeredo baixou uma proposta única: reajuste de 11% para oficiais que embolsam até 6.000 reais por mês e nada para soldados, cabos e sargentos, que chegam a receber 410 reais, ou quase quinze vezes menos. A esperteza de Azeredo produziu uma greve selvagem numa PM considerada modelo e descambou na mais funda crise política do Estado desde 1964, obrigando tropas do Exército a desfilar pela capital com tanques e veículos militares. Antes da greve, Azeredo poderia ter feito um acordo em torno dos mesmos 11% que ofereceu aos oficiais. Quando o movimento se iniciou, ele chegou a oferecer 20%. Na quinta-feira passada, quando enfim conseguiu encerrar a paralisação, Azeredo foi obrigado a pagar um aumento de 48% -- quatro vezes a inflação do último ano, a maior vitória que qualquer categoria de trabalhador, funcionário público ou não, paisano ou não, já obteve desde o lançamento do Plano Real, três anos atrás.

Sonho de infância

Acusado de ter atirado no cabo Valério, o soldado Wedson Campos Gomes, de 30 anos, foi carcereiro antes de entrar na PM. "Desde menino, falava em ser policial, para correr atrás de bandido", afirma sua mãe. Um irmão, também PM, suicidou-se em 1990. Solteiro, mora com a mãe e quatro irmãos. Apesar da evidência das imagens de TV, diz que atirou para o alto e não acertou o cabo
O segundo exemplo diz respeito à PM de outros Estados e interessa diretamente às pessoas que necessitam de seus serviços -- isto é, ao cidadão comum. A greve de Minas mostrou como é fácil dobrar governadores que não têm uma política de segurança pública e acham confortável mandar quem está em cima chicotear o lombo de quem está embaixo. Se o governador do seu Estado está nessa categoria, prepare-se: pode estar vindo confusão por aí. A Associação dos Cabos e Soldados de Pernambuco marcou para o dia 12 de julho a primeira assembléia de militares em 172 anos de existência da PM estadual. "A vitória de Minas serviu de exemplo. Soldado dentro de quartel reclamando da vida não consegue aumento", diz o cabo Renato Ribeiro, coordenador da associação. (...)
No Palácio do Planalto, a partir do que aconteceu em Minas Gerais, tem-se como certo que as ameaças das associações de diferentes Estados não são bravatas. Os soldos de soldados e cabos das PM beiram o inacreditável. Na melhor das hipóteses, são um convite à vagabundagem. Na pior, ao delito puro e simples. Em 1995, segundo o próprio presidente da Associação de Cabos e Soldados de São Paulo, 112 PMs foram presos por ter-se misturado além da conta ao mundo da marginalidade, que deveriam combater. Em 1997, esse número aumentou para 282. Em 65% dos casos, os crimes cometidos foram assalto, roubo ou latrocínio. Some-se à desmotivação das tropas a desmoralização dos comandos e o gatilho está armado. "Esse risco de fato existe, e eu aviso aos meus colegas que liguem os sensores para detectar movimentos em quartéis e evitar que aconteça lá o que, infelizmente, ocorreu aqui", diz Azeredo, que, durante a paralisação, só manteve um sensor ligado -- o do oportunismo político, pois passou a greve escondido da população, com medo de associar sua imagem ao sangue, à violência e à baderna promovida pela PM rebelada.

Líder muambeiro

Júlio César Gomes, de 27 anos, cabo da PM, é o líder do movimento. Com 2º grau completo, recebe salário bruto de 470 reais. Casado, tem três filhos. Nem vendendo mercadoria do Paraguai consegue colocar em dia a prestação de seu apartamento, cinco meses atrasada. Obreiro da Igreja Metodista, foi afastado das ruas há dois meses, por ter atirado num homem suspeito de tráfico de drogas
Colchões queimados -- O que aconteceu em Minas mostra como essas coisas são bruscas. Vinte e quatro horas depois de o governador anunciar o aumento para os chefes, ocorreu o primeiro ato de rebeldia dos chefiados -- dois colchões foram queimados num dos dormitórios do batalhão de choque. No dia seguinte, 700 policiais marcharam até a porta do Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro. De costas para o palácio, cantaram o Hino Nacional e se ajoelharam para rezar o Pai Nosso. Com a passeata, forçaram a negociação e, oito dias depois, receberam a oferta de um abono fixo de 102 reais, o que significaria 21% de aumento para os salários mais baixos. Na terça-feira passada, numa assembléia em que, no lugar de bandeiras, portavam revólveres, eles rejeitaram a proposta e partiram para uma nova marcha em direção ao palácio. A passeata começou com cerca de 2.000 policiais e terminou com 4.000, engrossada pelos militares que ainda trabalhavam nas ruas e abandonaram seus postos e por cerca de 700 investigadores da Polícia Civil.
Na porta do palácio, encontraram barreiras formadas por militares recrutados de pelotões do interior ainda leais ao governo. Eles usavam braçadeira branca no braço e estavam ali para impedir a passagem dos manifestantes. Não conseguiram. Quando os amotinados se preparavam para entrar no prédio do comando militar, o cabo Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos, subiu numa mureta para pedir calma aos colegas. "Calma, calma, pode haver tiros." Instantes depois, estava jogado no chão, atingido por um tiro disparado pelo soldado Wedson Campos Gomes, de 30 anos, que, à paisana, se encontrava entre os manifestantes. O cabo Valério permanecia em estado de coma na sexta-feira da semana passada, no hospital João XXIII. Os policais desistiram da invasão, mas permaneceram em greve.
(...) Na quinta-feira à noite, aconteceu a rendição de Azeredo, que elevou para 200 reais o abono fixo. A greve acabou. "O aumento que dei foi um gesto de humildade. Precisei fazer esse sacrifício para evitar um banho de sangue, que, segundo informações que recebemos, ocorreria na sexta-feira", justificou Azeredo, tentando transformar uma derrota acachapante num ato de grandeza política. Com o aumento, o governo terá de desembolsar 340 milhões de reais a mais por ano com a folha de pagamento, que hoje já absorve 77% da receita. Mas não é esse o preço maior de sua incompetência, e sim o tremendo desgaste da autoridade no Estado -- mercadoria de valor difícil de calcular, como demonstram algumas cenas da greve. (...)

Herança familiar

O cabo Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos, levou o tiro na cabeça quando pedia calma aos colegas. Há 29 anos, seu pai, também policial, foi baleado por um colega e morreu. Valério é de uma família na qual a farda é tradição. Começou a trabalhar aos 6 anos, como flanelinha. Foi engraxate, office-boy e tapeceiro. Quando entrou na PM, tornou-se evangélico. Casado, dois filhos, hoje lidera o Grupo Familiar Cristão, com reuniões em sua casa
"Expulsamos a CUT" -- Inútil atribuir esse ânimo a infiltrações na corporação pelos oposicionistas de sempre. A greve dos PM mineiros não foi conduzida por um braço militar da CUT. Nasceu e foi conduzida pelo setor mais duro da tropa. O líder da rebelião, Júlio César Gomes, por exemplo, até dois meses atrás era comandante de uma unidade da Rotam, batalhão de elite da PM que é a cópia mineira da Rota paulista -- inclusive quanto ao uso de métodos bárbaros. O cabo Júlio esteve preso há dois meses sob acusação de ter-se excedido ao balear um homem acusado de tráfico. Há dois anos, participou de uma operação de repressão aos cortadores de cana em greve no sul do Estado. Em seu currículo entram também sessões de pancadaria contra metalúrgicos grevistas de Betim. O número 2 do comando da rebelião, o sargento Washington Rodrigues, é o policial mais temido na periferia de Belo Horizonte, porque a ele se atribuem mais de uma dezena de mortes. Rodrigues também é uma figura constante na repressão a passeatas. Em 1987, ele e Júlio estavam na tropa que impediu professores em greve de se aproximar da Praça da Liberdade -- exatamente o que eles mesmos fizeram na semana passada. "Foi por isso que expulsamos a CUT do nosso movimento. Amanhã teremos de reprimi-los e poderíamos ser cobrados", diz o cabo Júlio, pragmático.
Em Minas, os PM têm orgulho de vestir a farda. São populares. Quando saíam em passeata, os policiais eram saudados por chuva de papel picado atirado do alto dos prédios e aplaudidos pelas pessoas da calçada. Segundo dados do Ministério da Justiça, todas as polícias militares dos Estados juntas formam uma tropa de 363.412 homens, o dobro do efetivo do Exército, que dispõe de 180.000 militares em todo o país. A PM de Minas é a segunda, com 42.000 homens. Só perde para a PM de São Paulo, com 79.228 militares. A PM do Rio vem em terceiro, com 27.932 homens. Segundo um levantamento da PM mineira, os melhores salários pagos a soldados da PM estão no Distrito Federal. A PM de Minas está entre as dez que pagam os menores salários a seus praças no Brasil.
A íntegra.