"Juiz pode condenar com base em indícios, por que jornalista precisa de fontes?", pergunta este artigo, que ganha relevância por ter sido escrito pela editora de política de um jornal cujos proprietários são a Folha e O Globo. A parte da imprensa que não apodreceu, aqueles que ainda podem ser chamados de jornalistas percebem como Veja e seus seguidores destroem o jornalismo. O julgamento do "mensalão" não tem nada a ver com justiça nem com combate à corrupção, é mais um capítulo da luta política no País inaugurada com a vitória do ex-presidente Lula em 2002. Incapaz de vencer nas urnas, a direita atua onde tem mais força: na velha imprensa e no STF. Isso cria uma situação nova, na qual o STF se põe acima da vontade popular e o noticiário se choca com a percepção que o povo tem da realidade. Não à toa a credibilidade da imprensa despenca e a maior parte das pessoas acredita que ela é parcial, como constatou o próprio Datafolha.
Do jornal Valor Econômico.
Manter a jurisprudência sem os holofotes
Por Maria Cristina Fernandes
O impeachment de Collor nasceu da entrevista do irmão. O mensalão,
daquela entrevista de Roberto Jefferson. A acusação de que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o chefe da quadrilha do
mensalão não tem autoria.
O publicitário Marcos Valério, identificado como autor da acusação, não a assumiu. E seu advogado nega que tenha falado.
O áudio da entrevista pode existir, mas o fato de a revista de maior
circulação do país ter publicado capa com uma acusação dessa gravidade
sem autoria mostra que o julgamento ora em curso no Supremo tem
consequências que extrapolam a dosimetria das penas.
Se os juízes, pelas indicações do relator no capítulo político do
julgamento condenarem por indícios, por que um jornalista precisaria de
fonte para publicar uma acusação?
Não é de hoje que se abusa do off, recurso legítimo do jornalismo que
protege fontes com informações valiosas em nome do interesse público.
Mas na acusação em curso, paira no ar a dúvida sobre a que público
serve a acusação anônima na reta final de uma campanha eleitoral
definidora dos exércitos de 2014.
Essa relação nebulosa entre noticiário e interesse público não passa despercebida de quem está na arquibancada.
Repousa esquecida em cruzamentos de uma pesquisa Datafolha (10/8) a
avaliação sobre a cobertura do mensalão: 46% dizem que a imprensa tem
sido parcial -- e 39% a julgam imparcial.
Não dá para atribuir o dado às massas ignaras do lulismo. Quanto
maior a escolaridade, maior a percepção. Dos entrevistados que passaram
pela universidade, 53% julgam a imprensa parcial. Entre aqueles que têm
apenas o ensino fundamental, 41% compartilham a impressão.
Não parece haver dúvidas de que o julgamento tem inovado na
interpretação da lei. Mas para aquilatar seu real impacto sobre o
combate à corrupção resta saber se a jurisprudência será seguida à risca
quando os holofotes se apagarem.
Para reverter a má-fama angariada, a imprensa terá que se dedicar com
igual afinco ao julgamento da montanha de casos de corrupção que se
acumulam nos tribunais.
Foi graças aos jornalistas que se conheceram os grandes escândalos de
corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso -- Sivam, grampos do
BNDES na privatização da Telebras, caso Marka/FonteCindam e, o maior
deles, a aprovação da emenda da reeleição.
Ministros foram defenestrados e contratos foram cancelados, mas o
entendimento era outro sobre a persecução penal dos envolvidos. Do
desdobramento desses casos não se colhe o mais leve indício de que a
tese do domínio do fato pudesse um dia vir a evoluir para a
interpretação que ganha terreno no Supremo e facilita a condenação de
quem está no topo de hierarquias de poder.
A imprensa também será desafiada a manter o arrojo com que se empenha
na atual cobertura quando a aplicação dessa jurisprudência se voltar
para o setor privado, muito menos aberto à investigação jornalística que
o público.
O segundo capítulo do julgamento, que condenou os banqueiros, impôs
um padrão de austeridade inédito, por exemplo, na gestão do risco
bancário. Para punir um dirigente de empresa não será preciso provar
delito maior que a omissão no cumprimento do dever.
Uma coisa é enquadrar o banco Rural, que já havia se tornado um pária
no mercado desde o envolvimento em intermediações financeiras com o
governo a partir da era Collor.
Outra coisa é aplicar a nova jurisprudência a grandes empresas e
bancos. A sanha punitiva -- e jornalística -- resistirá ao argumento, para
além da coerção verbal, de que o mercado, engessado, é um freio ao
desenvolvimento econômico?
O que dizer, também, da ameaça de reversão das reformas aprovadas com
os votos que o ministro relator assevera terem sido comprados? Bárbara
Pombo conta hoje no Valor (pág. E1) que advogados já se movimentam nesse sentido.
Se a oposição conseguir voltar ao poder, o presidente que eleger pode
se ver na contingência de defender a constitucionalidade das reformas
tributária e previdenciária que seu partido acusou, com o possível
beneplácito do Judiciário, de terem sido compradas.
Na hipótese ainda improvável de a mudança na jurisprudência trazer
ameaça real ao estabelecido, a reforma do Código Penal sempre pode ser
uma saída para fechar a porteira aberta por este julgamento.
O anteprojeto de reforma do código, gestado no gabinete do presidente
do Senado, José Sarney, precede o julgamento do mensalão e não se
remete aos seus resultados. Mas nada impede que, uma vez iniciada sua
tramitação, o texto possa ser abrigo das pressões que devolveriam o país
ao seu curso natural de leniência com a corrupção dos donos do poder. E
sem exceções.
Ainda não se sabe se o mensalão é a causa para a queda do candidato
do PT, Fernando Haddad, nas pesquisas, mas, a julgar pelo Datafolha, a
exploração do caso ainda não parece ter surtido os efeitos esperados
sobre o PT em São Paulo. Questionados como veriam um próximo prefeito do
PRB, do PSDB ou do PT, os entrevistados disseram o seguinte: 15%
achariam "ótimo ou bom" se o eleito fosse do PRB; 25% disseram o mesmo
de um tucano no poder; e 33% de um petista.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras.