Grande parte das empresas que funcionam no Brasil não pertence a brasileiros, mas a conglomerados multinacionais. Por que não também as terras? Com a desnacionalização fundiária, que o Congresso analisa, a nação passa a ser uma figura fictícia, porque, na prática, todos os seus bens pertencem a poucos -- brasileiros e estrangeiros, em geral associados, como estão associados nos bancos, nas indústrias, no comércio e nos serviços. Os parlamentares são seus representantes.
Da Agência Carta Maior.
A desnacionalização fundiária
Mauro Santayana
Há cem anos, sobre um vasto território entre o Paraná e Santa Catarina, uma empresa norte-americana, a Southern Brazil Lumber & Colonization, reinava absoluta. Com a maioria de empregados norte-americanos, contratados por Percival Farquhar, que pretendia transformar o Brasil em vasta empresa de sua propriedade, a Lumber abatia todas as árvores de valor comercial, da imbuia à araucária. Todas as manhãs, ao som de um gramofone, os empregados – incluídos os brasileiros – reunidos na sede da empresa, em Três Barras, entoavam o hino norte-americano, The Star-Spangled Banner, enquanto a bandeira de listras e estrelas era hasteada. Ao anoitecer, repetia-se a cerimônia, ao recolher-se o pavilhão. Ali mandavam e desmandavam os ianques. O imenso espaço em que se moviam os homens de Farquhar estava fora da jurisdição brasileira.
Embora não houvesse sido a única razão do conflito, a Lumber esteve no centro da Guerra do Contestado, um dos mais épicos movimentos de afirmação nacionalista do povo brasileiro. Nele, houve de tudo, dos interesses econômicos de Farquhar e seus assalariados pertencentes às oligarquias políticas, ao fanatismo religioso, em que não faltou uma Joana d’Arc – a menina Maria Rosa morta aos 15 anos na beira do Rio Caçador, lutando como homem.
Mas há duas formas de pisar o chão pátrio: a dos ricos e a dos pobres.Isso explica por que os grandes agronegocistas brasileiros estão pressionando o governo e o Congresso, a fim de que sejam abolidas as restrições (já de si débeis) à aquisição de terras nacionais pelos estrangeiros. Eles querem ganhar, ao se associarem aos capitais de fora ou participando da especulação de terras. Calcula-se que mais de um por cento das terras brasileiras já pertençam, e de forma legalizada, aos alienígenas. A essa enorme área há que se acrescentar glebas imensas, adquiridas de forma subreptícia, e sem conhecimento público, porque os cartórios de imóveis estão dispensados de registrar a nacionalidade dos compradores.
O Congresso está para aprovar a flexibilização das leis que regulam o assunto, ao estender à agropecuária a Doutrina Fernando Henrique Cardoso, que considera empresa nacional qualquer uma que se estabelecer no Brasil, com o dinheiro vindo de onde vier e controlada por quem for, e que tenha sua sede em Nova Iorque ou nas Ilhas Virgens.
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