terça-feira, 27 de novembro de 2012

A farsa do Riocentro

Documentos divulgados pelo jornal gaúcho Zero Hora mostram como o governo militar transformou uma mal sucedida ação terrorista de direita numa ameaça terrorista da esquerda. Não que alguém acreditasse: afinal, os jovens "guerrilheiros" já tinham sido presos, exilados ou mortos e nenhuma ação armada de esquerda acontecia há dez anos. A direita, ao contrário, explodia bancas de revista e enviava bombas para oposicionistas, reagindo contra a "abertura". As bombas no Riocentro lotado seriam mais um episódio, o maior de todos, que provocaria uma tragédia, mas os terroristas foram incompetentes e atingiram a si próprios. Para esconder o fato, os militares forjaram uma investigação que inocentou seus agentes. A velha "grande" imprensa conta a história antiga, mas deturpa a história atual.

Do jornal Zero Hora, 26/11/12.
Documentos revelam como o Exército se articulou para ocultar explosões no Riocentro
Ataques tinham como alvo o show com cerca de 20 mil pessoas no Rio de Janeiro, há 31 anos 
José Luis Costa e Humberto Trezzi
Missão Nº 115. Esse era o nome oficial da vigilância desencadeada pelos serviços de espionagem do Exército no centro de convenções Riocentro, no Rio, em 30 de abril de 1981, quando 20 mil pessoas ali se reuniam para um show musical em protesto contra o regime militar. Duas bombas explodiram lá, e os agentes "supervisores" da ação foram as únicas vítimas do episódio, que lançou suspeitas sobre atividades terroristas praticadas por militares e mergulhou em agonia uma ditadura que vinha desde 1964 e acabaria sepultada em 1985. Tudo isso a população brasileira já intuía, por meio de depoimentos. O que até agora permanecia oculto – e está sendo revelado por Zero Hora, em primeira mão – são registros de militares envolvidos no episódio e manobras de abafamento do incidente, arquitetadas por servidores da repressão.
O segredo está em arquivos que eram guardados em casa pelo coronel reformado do Exército Julio Miguel Molinas Dias – assassinado aos 78 anos, em 1º de novembro, em Porto Alegre, vítima de um crime ainda nebuloso. Molinas Dias era, na época do atentado, comandante do Destacamento de Operações e Informações -- Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro, conhecido como Aparelhão. O arquivo do coronel continha 200 páginas, várias delas encabeçadas pelo carimbo "confidencial" ou "reservado". O calhamaço evidencia que o aparelho repressivo militar tentou maquiar o cenário do Riocentro para fazer com que as explosões parecessem obra de guerrilheiros esquerdistas.
Os registros estavam guardados pelo minucioso oficial. A unidade comandada por Molinas era reponsável por espionar e reprimir opositores ao regime militar. O DOI-Codi era localizado dentro do 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita,no bairro da Tijuca. Ao se aposentar, o coronel levou para casa documentos preciosos, contando pormenores da sigilosa rotina da caserna. O dossiê deixa transparecer que a bomba no Riocentro também fez estragos dentro da sede do DOI-Codi, distante 30 quilômetros do centro de eventos.
Em meio aos papéis, surgem evidências de que oficiais forjaram fatos. Há inclusive uma orientação para simular o furto do veículo pertencente ao sargento que morreu na explosão, no sentido de desaparecer com pistas que seriam comprometedoras.
A íntegra.