terça-feira, 27 de novembro de 2012

Danuza Leão e o tédio dos ricos

O velho médico, mais jovem que Danuza, ficou escandalizado com a crônica abaixo. Ele define a elite brasileira como "escravagista" e, embora nunca tenha votado em Lula, votaria agora, tão impressionado está com as manifestações de ódio contra o ex-presidente. Eu não tinha visto, só leio jornal raramente, mas procurei-a na internet. Danuza Leão vai fazer oitenta anos e escreve como uma adolescente. Tem um história admirável, mas destacou-se mais pelos ambientes que frequentou e personalidades com as quais conviveu do que por si mesma: a irmã Nara, o ex-marido Samuel Wainer, o jornalista e compositor Antônio Maria e outros. De tanto se casar com jornalistas, acabou jornalista também, mas sua maior, digamos, qualidade foi frequentar os ambientes dos ricos e famosos, testemunhar e experimentar a vida das elites. Sua autobiografia é ótima leitura. Ela nasceu em família de classe média no Espírito Santo e conta que aprendeu com o pai que mulher não pode depender de homem. Era modelo de sucesso, quando se casou com Wainer, aos 20 anos -- ele tinha passado dos 40 e era o grande jornalista do País, celebrizado pela entrevista exclusiva e profética em que Getúlio, deposto em 1945, anunciou que voltaria nos braços do povo, como presidente eleito (o ex-ditador apelidou-o de Profeta); logo se tornaria dono do Última Hora, um presente de Getúlio. Personagem importante da Era Vargas, Wainer morreu em 1980, aos 68 anos. (Uma curiosidade: o livro de memórias de SW foi organizado por um reverente Augusto Nunes, jornalista que hoje é oficial da tropa da imprensa protofascista.) Tiveram três filhos, um dos quais, Samuca, morreu jovem num acidente, trabalhando para a Rede Globo. Danuza largou Wainer para viver com Antônio Maria, autor de músicas lindas como Valsa de uma cidade, um homem grande, gordo e feio, segundo a ex-modelo. Foi uma paixão daquelas em que os dois se dedicam exclusivamente um ao outro. Quando ela conseguiu largá-lo, fugiu para o exterior; ele teve um enfarte e morreu. Maria é pai do Antônio Maria Filho, jornalista de futebol famoso. Danuza não parece generosa, mas acho que seria exagero alinhá-la com a direita protofascista que campeia na velha "grande" imprensa. Ela está muito acima desses colunistas que servem de cavalo para empresários analfabetos. Tem estilo, um estilo de rico culto e entediado, que olha a vida com prazer e desprezo ao mesmo tempo, sem drama e sem deslumbramento. Às vezes parece arrogância. Às vezes uma crônica é menos do que acaba se tornando, é apenas o resultado de uma obrigação que se tem de cumprir. Talvez Danuza só quisesse dizer que ela, que conheceu o mundo em tempos melhores e grandes companhias (por exemplo: na China, com Wainer, foi recebida por Mao Tse-Tung), hoje prefere sentar-se no conforto do seu lar e ler um bom livro. Acabou exprimindo o desconforto preconceituoso das elites "escravagistas" diante da "ascensão da nova classe média".

Da Folha de S. Paulo.
Ser especial
Danuza Leão
Afinal, qual a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais coisas se tem, mais se quer ter e os desejos e anseios vão mudando -- e aumentando -- a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio.
Um homem que começa do nada, por exemplo: no início de sua vida, ter um apartamento era uma ambição quase impossível de alcançar; mas, agora, cheio de sucesso, se você falar que está pensando em comprar um com menos de 800 metros quadrados, piscina, sauna e churrasqueira, ele vai olhar para você com o maior desprezo -- isso se olhar.
Vai longe o tempo do primeiro fusquinha comprado com o maior sacrifício; agora, se não for um importado, com televisão, bar e computador, não interessa -- e só tem graça se for o único a ter o brinquedinho. Somos todos verdadeiras crianças, e só queremos ser únicos, especiais e raros; simples, não?
Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que acabaram de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as mesmas? O problema é: como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?
As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a Paris era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem -- e se for o vídeo, pior ainda -- de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros -- não é melhor ficar por aqui mesmo?
Viajar ficou banal e a pergunta é: o que se pode fazer de diferente, original, para deslumbrar os amigos e mostrar que se é um ser raro, com imaginação e criatividade, diferente do resto da humanidade?
Até outro dia causava um certo frisson ter um jatinho para viagens mais longas e um helicóptero para chegar a Petrópolis ou Angra sem passar pelo desconforto dos congestionamentos.
Mas hoje esses pequenos objetos de desejo ficaram tão banais que só podem deslumbrar uma menina modesta que ainda não passou dos 18. A não ser, talvez, que o interior do jatinho seja feito de couro de cobra -- talvez.
É claro que ficar rico deve ser muito bom, mas algumas coisas os ricos perdem quando chegam lá. Maracanã nunca mais, Carnaval também não, e ver os fogos do dia 31 na praia de Copacabana, nem pensar. Se todos têm acesso a esses prazeres, eles passam a não ter mais graça.
Seguindo esse raciocínio, subir o Champs Elysées numa linda tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas visões de beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no lugar mais bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos, como você, podem desfrutar do mesmo encantamento.
Quando se chega a esse ponto, a vida fica difícil. Ir para o Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas -- assim como Nova York, Londres e Paris; e como no Nordeste só tem alemães e japoneses, chega-se à conclusão de que o mundo está ficando pequeno.
Para os muito exigentes, passa a existir uma única solução: trancar-se em casa com um livro, uma enorme caixa de chocolates -- sem medo de engordar --, o ar-condicionado ligado, a televisão desligada, e sozinha.
E quer saber? Se o livro for mesmo bom, não tem nada melhor na vida.
Quase nada, digamos.

Na Folha.