Da Carta Capital.
Uma nova classe rural
Samantha Maia, de Presidente Tancredo Neves (BA)
Eles são filhos do campo. Começaram a lavrar a terra quando ainda não diferenciavam a roça de seus brinquedos. Conhecimento antigo carregado por gerações, o trato da lavoura fez parte dos primeiros passos dos jovens estudantes da Casa Familiar Rural de Presidente Tancredo Neves, escola de ensino médio e técnico mantida há dez anos pela Cooperativa de Produtores Rurais locais, a Coopatan, pela Fundação Odebrecht e por empresas parceiras, no município do Baixo Sul da Bahia.
"A vida de criança no campo é boa", diz Valmir Santos Miranda, 19 anos, a lembrar da infância em contato com a terra, das brincadeiras. "Até abrir a cabeça para o que o mundo é mesmo", conclui o moço de fala pausada, quase didática, que sabe o que é vir de uma família de sete irmãos e parcos recursos.
Com a idade, vem a consciência da miséria, e a falta de perspectiva empurra muitos jovens para a vida urbana. A cidade de Presidente Tancredo Neves é paradisíaca em sua natureza, mas impiedosa com a maioria de seus 23 mil habitantes. A pobreza na região de economia agrícola contrasta a natureza e serviços desfrutados pelos turistas com o cotidiano duro da população, onde até 70% das famílias de agricultores dependem do programa federal Bolsa Família.
Foi no projeto de ensino de alternância da Casa Familiar, onde os alunos ficam uma semana na escola e duas em casa, que jovens tancredenses encontraram os primeiros matizes para esboçar uma nova realidade de enraizamento em suas terras. Eles não querem ser empregados, nem ir para a cidade. Buscam nos conhecimentos técnicos a estrutura que seus pais não tiveram para conseguir uma vida digna no campo. É o sonho de ser uma classe média rural.
"Eu não gosto da cidade, o ar me sufoca", diz Valmir, sem saudades das poucas visitas à capital Salvador. Trabalhador do campo desde os oito anos, hoje cursa o primeiro ano do ensino médio com técnico em agropecuária na Casa Familiar. Nos dias passados na escola, a rotina é apertada. As aulas começam às sete da manhã e vão até às dez da noite, numa grade que integra as disciplinas comuns com os ensinamentos de técnicas agrícolas. Há intervalos apenas para almoço e para uma pausa no fim da tarde.
A íntegra.