Uma longa e boa análise das relações do PT -- o partido dos trabalhadores no poder -- com a "grande" imprensa -- o verdadeiro partido do capital, na oposição.
Da Agência Carta Maior.
O risco de lutar a batalha do dia anterior
Por Saul Leblon
O macartismo excretado pelo dispositivo midiático está corroendo os alicerces de uma cultura petista sedimentada desde os tempos de gestação e nascimento do partido. A inércia de uma tradição acomodatícia em relação à chamada grande imprensa chegou a um ponto de exaustão.
Marmorizada de ódio conservador e desrespeito pedestre no caso de alguns veículos e expoentes do colunismo demotucano, a guerra fria cabocla impõe uma experiência de acuamento até certo ponto nova na existência do partido - ainda que virulenta para saturar um ciclo.
Círculos dirigentes e militantes mais antigos não experimentaram nada parecido nem mesmo na sua origem, nos anos 70/80, quando operários do ABC se colocaram frontalmente contra o regime militar, em desafio aberto ao poder armado e empresarial.
Sedimentou-se então a suposição de que haveria da parte da imprensa se não apoio, ao menos respeito com o avanço da luta dos trabalhadores. E tolerância na criação de um partido próprio, de recorte socialista ecumênico.
Ancorada na intensidade histórica de um período de convergência democrática criou-se assim uma jurisprudência petista: a mediação com o conjunto da sociedade, embora marcada pela má vontade de alguns editores e donos de jornais e a rejeição aberta de outros, estava sendo feita à contento pelos meios de comunicação.
A avaliação pragmática, apoiada nas determinações do momento específico, excluiu das prioridades do partido a criação de um sistema de mídia próprio e abrangente. Até o 2º governo Lula, quando o ex-ministro Franklin Martins tomou a iniciativa adormecida agora na gaveta do acanhamento, o PT não incluía entre suas prioridades efetivas regulamentar o sistema de comunicação existente.
O projeto de um jornal de circulação nacional esteve sempre em pauta. E por isso mesmo nunca esteve. A rigor, nenhum dirigente histórico deu a ele a prioridade política, financeira e mobilizadora devotada, por exemplo, a uma campanha eleitoral.
A política de comunicação acabou se especializando na arte da conversa reservada com os donos dos grandes grupos de comunicação na reiterada tentativa de firmar armistícios em torno da isenção -- de resto episódica e quebradiça.
A exuberância do ciclo de Lula na Presidência veio revalidar a
ingenuidade dos que ainda apostavam na existência de um espaço de
tolerância no interior das redações.
Escaparia a esses dirigentes petistas a brutal transformação em marcha no interior da mídia e na própria composição das redações. Ao longo de duas década de polarização entre a agenda afuniladora do neoliberalismo e as urgências sociais do país, o jornalismo brasileiro sofreria uma mudança qualitativa de pauta e estrutura.
Quando a Presidenta Dilma diz que prefere o excesso de uma mídia ruidosa ao silêncio das ditadura não está dizendo nada de novo para a história do PT. Mas a frase soa insuficiente para as circunstâncias que se modificaram.
O PT sempre perfilou entre os partidos pluralistas, antagônicos à voz única, ao poder absoluto e à intolerância política, ideológica ou religiosa.
O que se discute agora é outra coisa.
Como fazer prosperar a democracia, o senso crítico e a pluralidade num ambiente em que um poder não eleito e sem rival à altura em sua abrangência e decibéis, dá voz de comando até mesmo à Suprema Corte -- diz quem deve ou não ser julgado, como, com que precedência, as penas a cumprir e onde?
Não se constrói um país de classe média esclarecida sem as condições
efetivas ao esclarecimento e à formação da consciência crítica. Não
basta o crédito à aquisição de tablets. É obrigação de governo, também,
assegurar espaço para que seu conteúdo seja plural e democrático.
A íntegra.