A análise que Delfim Netto faz da vitória de Obama pode ser otimista, mas é essencialmente correta. O governo do presidente negro é decepcionante, mas seu discurso continua brilhante. É o discurso da América ideal, o lado bom dos EUA, o lado libertário -- que existe e não pode ser negado. A política americana se divide cada vez mais entre os brancos racistas, conservadores, ricos, que apoiam o Partido Republicano, e o restante da população, diversificada, imigrante, crescente, pobre, que vota no Partido Democrata. Os que chegaram primeiro, vindos da Europa, principalmente da Inglaterra, e os outros, que continuam chegando de todas as partes do mundo, principalmente África e América Latina. Externamente, as políticas dos democratas e republicanos pouco se diferenciam, mas os republicanos namoram o fascismo, e alguém pode imaginar coisa boa vindo de fascistas? Delfim enxerga isso, como enxergou o papel progresista do PT no Brasil. Como foi que o mais importante ministro "técnico" da ditadura militar se converteu num analista lúcido, apoiador dos governos petistas? Esta é uma história do Brasil que está por ser contada.
Da Carta Capital.
Com Obama, a Idade Média fica para trás
Delfim Netto
Deu Barack Obama – porque este falou à nação que é, enquanto seu adversário, o republicano Mitt Romney, falou para a nação que gostaria que fosse. O presidente se reelegeu por margem apertada: recebeu um pouco mais de 50% da votação popular, contra 48% do seu oponente, mas conquistou com folga (até inesperada) a maioria dos votos no Colégio Eleitoral: 332 delegados contra 206 de Romney.
Ao insistir em falar para a nação que gostaria que continuasse sendo (o "país real"), mas que já não é, o candidato republicano abriu caminho para Obama cooptar a "diversidade americana", nos cidadãos com quem ele festejou o espírito de solidariedade e a quem agradeceu, especialmente, no seu discurso de confirmação da vitória na madrugada da quarta-feira 7, em duas intervenções seminais: "O que faz a América ser excepcional", disse, "são os vínculos de solidariedade que unem a nação mais diversificada da terra e sustentam a crença que nosso destino é compartilhado. Vi donos de empresas familiares reduzirem seus próprios rendimentos para contratar vizinhos e vi trabalhadores aceitarem reduzir horários de trabalho para não verem o amigo perder o emprego".
E mais adiante (ao tocar direta-men-te no sensível assunto da imigração): "Acredito que podemos partir do progresso que já conquistamos e continuar a lutar por novos empregos, novas oportunidades e nova segurança para a classe média. Podemos cumprir a promessa de nossa fundação: se você está disposto a trabalhar muito, não importa quem você é, de onde vem, qual a sua aparência ou quem ama. Não importa se é negro ou branco, hispânico, asiático ou indígena americano, jovem, velho, rico ou pobre, saudável ou deficiente, gay ou heterossexual. Você pode ter sucesso aqui, na América, se estiver disposto a tentar. Podemos agarrar esse futuro juntos, porque não estamos tão divididos quanto nossa política leva a pensar. Não somos tão cínicos quanto os especialistas creem…"
A campanha eleitoral começou morna, com os meios de divulgação a levar muito pouca fé na capacidade do desafiante republicano e só “esquentou” nos três meses recentes, desde quando Romney passou a mostrar que acreditava na possibilidade de vitória e subiu o tom das críticas ao apontar o "fracasso" das tentativas do governo Obama em reanimar a economia e recuperar empregos. Apesar de superar o presidente no primeiro grande debate público direto, ele não soube depois dizer o que faria para levantar a economia e ampliar o nível de emprego. Obteve uma consequente melhora nas pesquisas, mas confundiu-se depois quando deixou falar "o espírito republicano" na abordagem das questões sociais, dos problemas de saúde dos pobres, com intransigência na discussão da reforma das leis de imigração e no tratamento para absorção dos filhos dos migrantes e das políticas tributária e previdenciária.
A íntegra.