A entrega do cargo pelo governador Anastasia hoje não poderia ser mais expressiva.
Enquanto as chuvas faziam estragos na capital, o governo montava no Palácio da Liberdade um cenário digno de um Rock in Rio.
Aécio e Anastasia inauguraram em Minas o governo espetáculo.
Falta dinheiro para educação, saúde, transporte, segurança, mas sobra dinheiro para propaganda e "eventos".
O Estado, quebrado, não "pode" pagar o piso salarial determinado pela Constituição aos professores, que estão em campanha, mas se dá o luxo de preparar uma parafernália típica dos grandes espetáculos contemporâneos ao ar livre.
Até sofisticados caminhões de "reportagem" (RRB Broadcasting) para transmissão ao vivo foram estacionados do lado do Palácio.
Há uma semana equipes numerosas se dedicam a montar grandes tendas e corredores cobertos, além de outros equipamentos que poderão ser vistos durante a solenidade. Sobre a grama do Palácio -- a mesma que, nas visitas de sábado, o público é instruído a "não pisar".
Aliás, o visitante do Palácio não entra mais pela porta principal, mas pela lateral. E é recebido por um cartaz que enumera o que não pode fazer durante a visita.
Até mesmo no passeio da Cristóvão Colombo foi montada uma grande tenda.
Postes de luz que fazem parte do patrimônio da Praça foram retirados, bem defronte ao Palácio, e substituído por outros, modernos (com autorização do Iepha?).
O asfalto, na região, foi todo recapeado.
Mas as faixas de pedestre não foram pintadas.
A Praça da Liberdade foi cercada por grades móveis com vários dias de antecedência. O cidadão comum não pode mais estacionar.
Mas as placas de estacionamento proibido da Avenida Cristóvão Colombo
foram cobertas para que os veículos particulares a serviço do governo
pudessem estacionar livremente.
Em outros pontos, montes de grades foram despejados, sempre sobre o passeio, obstruindo a passagem dos pedestres.
Assim como escadas e fios dos caminhões de "reportagem".
Cavalos da PM "estacionam" bem debaixo do semáforo de pedestre, em frente à Biblioteca Pública.
Cuja fachada está semidestruída, sem vidros no último andar.
O carrinho de recolhimento de lixo fica sobre o passeio, justamente no rebaixamento para cadeirantes.
Na entrada de outro prédio da Biblioteca Pública, nos fundos dos badalados equipamentos culturais da Praça, acumulam-se diariamente montanhas de lixos.
Bem sobre as guias para cegos.
O Rainha da Sucata fede a cocô.
Carros de funcionários ficam estacionados sobre o passeio transformado em estacionamento demarcado e autorizado pela BHTrans!
Mas se um cidadão qualquer estacionar no local, terá o carro rebocado.
Entre os carros e o lixo espremem-se os pedestres.
Esse abismo entre o caro e luxuoso espetáculo oficial e a vida cotidiana do cidadão belo-horizontino é o melhor retrato do governo que termina e pode ser visto ao vivo hoje.
Entre a fachada do "Circuito Cultural" e seus fundos.
Na grama do Palácio cercada por grades -- as mesmas instaladas pela ditadura em 1968 -- e interditada ao povo, mas liberada para as tendas montadas para as autoridades.
Entre a escassez de dinheiro para educação, saúde, segurança e transporte e o esbanjamento de recursos para propaganda.
Aécio e Anastasia construíram o faraônico Centro Administrativo, de
eficácia administrativa contestada e cujo valor até hoje é
desconhecido.
Mantiveram o Palácio das Mangabeiras, para "residência oficial".
Mas não abriram mão do Palácio da Liberdade.
Nem das grades colocadas pela ditadura para afastar o povo.
Um circuito cultural da Praça da Liberdade para o povo incluiria o Palácio e suas grades seriam retiradas.
O governo que fez o discurso do corte de gastos e da eficiência tem agora três palácios.
Talvez porque o Centro Administrativo fica muito longe, mesmo de helicóptero.
Talvez por que o Palácio da Liberdade é agora local de "eventos" como o que será visto hoje.
Se a chuva, que vem caindo com força sobre Belo Horizonte nos últimos dias, não aparecer como penetra para atrapalhar a pompa da festa.