Quando seus ex-companheiros de Pasquim Ziraldo e Jaguar receberam indenização do governo por terem sido prejudicados pela ditadura, Millôr Fernandes comentou que não sabia que aquilo que eles faziam na época era uma espécie de poupança. O assunto é polêmico, a direita chama as indenizações de "bolsa ditadura", na verdade querendo desqualificar as outras bolsas que beneficiam a população pobre, como a bolsa família. A argumentação do Ziraldo, cujo trabalho artístico é admirável, foi de uma pobreza impressionante: que cada um vá buscar seu direito, como ele fez. No caso, estou com o Millôr: não entendo como uma indenização pode compensar consequências de um posicionamento político. Mais que isso: acho que os milhões de trabalhadores anônimos brasileiros foram muito mais prejudicados pela ditadura do que Ziraldo, Jaguar e a pequena multidão que hoje se beneficia da "bolsa ditadura" -- Ziraldo, por exemplo, ficou famoso e ganhou dinheiro sob a ditadura! Seu "Menino Maluquinho", lançado em 1980, em pleno governo militar, portanto, já vendeu mais de 1 milhão de exemplares, segundo a editora. E qual de nós, do povo, olhando para a própria vida vivida nos 21 anos de regime militar, não identifica "prejuízos" que sofreu? Grosso modo, até o Maluf teve prejuízos com a ditadura, que impediu que ele fosse presidente, apesar de vencer a disputra interna do seu partido, que tem maioria de votos no colégio eleitoral, e preferiu apoiar Tancredo Neves. Para que tal "compensação" faça sentido, era preciso indenizar toda a população, não só famosos, graúdos, amigos e influentes. Para a população mais uma vez o que cabe é pagar a conta, já que as polpudas indenizações e as boas pensões vêm do dinheiro público -- o mesmo, aliás, que paga salários e vantagens astronômicas a deputados, senadores, juízes e tantos outros "marajás". É muito digno "recuperar" a cidadania -- e o entrevistado abaixo demonstra ser um sujeito lúcido, que merece respeito. Digno também é não se colocar no mesmo rol dos que se locupletam com o dinheiro público. Entendo essa "anistia" econômica não como um ato político no sentido amplo, muito menos social. É coisa bem mais prosaica, da política menor, do dia a dia, do usufruto poder, como sugere o argumento do Ziraldo. Com a redemocratização, saíram os militares e a direita inadaptada; entraram o centro, uma parte da esquerda, outra parte da esquerda depois, a direita adaptada permaneceu. Quem destes tem amigos e poder para obter benefícios, sem dor na consciência, faz isso. O povo, as pessoas comuns, estas continuam longe do poder e incapazes de obter compensações para os sofrimentos vividos anonimamente sob a repressão militar. Continuam sem dignidade e sem cidadania, ainda hoje.
Da Agência Carta Maior.
Anistiado defende julgamento justo de seus torturadores
Najla Passos
Em um julgamento emocionante, a Comissão de Anistia reconheceu, por unanimidade, a condição de anistiado político do jornalista Anivaldo Pereira Padilha, 71 anos, pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. O julgamento ocorreu na terça (22), momento antes do que negou o mesmo status ao Cabo Anselmo, agente infiltrado da ditadura militar. Editor de um jornal da Igreja Metodista de São Paulo, na década de 1960, ele militava na organização clandestina de esquerda Ação Popular (AP). Em consequência disso, foi preso e barbaramente torturado pelos agentes do regime. E, posteriormente, obrigado a viver no exílio, impedido do convívio com a família. Anivaldo terá direito a receber uma pensão mensal de R$ 2.484, além do pagamento retroativo de R$ 229,3 mil, referente ao período em que o processo tramitou. Mas o que o deixou mais contente foi receber o pedido de perdão do estado brasileiro pelos crimes cometidos contra ele. "Eu sinto que minha dignidade como cidadão e brasileiro, hoje, foi restaurada", afirmou.
A íntegra.