terça-feira, 1 de maio de 2012

A Vale e o silêncio de quem tem o que informar

Compartilho o sentimento do autor. Eu também esperava que a internet gerasse o nascimento de "cem flores" do jornalismo, uma vez que, agora, qualquer jornalista ou grupo de jornalistas -- inclusive sindicatos -- pode ter seu jornal independente. No entanto, isso não aconteceu. A internet é uma revolução na comunicação, mas seu uso como instrumento político de organizações populares está ainda muito aquém do que pode ser.

Do blog Vale que vale.
O silêncio da democracia
Por Lúcio Flávio Pinto.
Quem não foi torturado, preso ou incomodado durante a ditadura militar (que se prolongou de 1964 a 1985) foi conivente com ela, se acomodando e deixando de lado o compromisso político? Ou, conforme palavra-chave da época, se alienando? (...) Muitas das minhas fontes surgiram nesse período, tão desfavorável à coleta de informações e à transmissão de verdades. Até conversar com essas pessoas era arriscado. O Grande Irmão orwelliano (não é o Big Brother da TV Globo) estava sempre com seus muitos olhos bem abertos. Seus braços também podiam alcançar os recalcitrantes como os tentáculos de um polvo. Ainda assim, contra todas as expectativas dos censores e controladores da opinião pública, a imprensa conseguia surpreender com reportagens fortes, substanciais, bem informadas. Graças a fontes situadas às vezes em posição de destaque dentro da estrutura do poder, tanto no governo como nas grandes empresas privadas. As fontes se arriscavam muito. Mas se arriscavam por confiarem nos seus interlocutores da imprensa, que se comprometiam em manter completo sigilo – se necessário e em qualquer circunstância. E a serem corretos no uso das informações fornecidas. (...) Foi circulando à noite por Belém no carro particular do meu interlocutor que obtinha as informações do tenente-coronel Nivaldo de Oliveira Dias. Comandante do 2ª Batalhão de Infantaria de Selva, a principal unidade do Exército na capital paraense, ele foi o único militar que se rebelou contra a versão oficial do atentado terrorista de direita ao Riocentro. Num boletim à tropa sob seu comando, o oficial (de currículo brilhante) disse não ter dúvida que o capitão e o sargento conduziam bombas para explodir durante a realização do show de motivação política no Rio de Janeiro. Foi preso e passou para a reserva, mas não se calou. Como sabíamos que ele era monitorado, conversávamos enquanto o carro rodava pela cidade, altas horas da noite. No dia seguinte um homem do DOI-Codi ia à redação fazer intimidação ao repórter. (...) Por que conto essas histórias, tão pouco afeitas, aparentemente, às finalidades deste blog? Porque me surpreendo com as dificuldades para a circulação de informações em plena democracia no Brasil. Criei este espaço para que empregados da Vale pudessem participar de um debate franco e sério sobre a empresa. Para que também se expressassem moradores das áreas nas quais a poderosa companhia atua. Para que criássemos um contracanto ao canto orquestrado pela Vale e seus parceiros, que tantos dados nos sonegam. Para que pudéssemos reunir informações suficientes para uma avaliação dos 15 anos de privatização da estatal do minério, no próximo dia 15 de maio. Não sei o que acha o leitor, mas temo que esse debate fértil e denso não vá se estabelecer. Dizem os céticos (ou iniciados) que isso é impossível via internet. Esta é uma mídia da rapidez e da superficialidade, refratária à análise e à reflexão. Será? Fica minha dúvida. E minha esperança contra ela.
A íntegra.