Golpes de Estado fazem parte da história da América Latina e dos países pobres da África e Ásia. Elites locais e governos da Europa e dos EUA sempre mantiveram o poder na base da força, para garantir desigualdades e injustiças enormes. Nessas condições, liberdade e participação, mesmo na forma da democracia representativa, corrupta e manipulada pelo dinheiro, sempre representaram riscos, porque a maioria pobre tende a votar nos candidatos de esquerda. A novidade cada vez maior das últimas décadas é a substituição dos militares pelos veículos da "grande imprensa" como "partido da ordem". Não se trata mais de colocar os tanques e as fardas nas ruas, ou não se trata apenas disso, modelo que entrou para a história como ditadura e que é repugnado pela opinião pública mundial. Os golpes agora são preparados e liderados pela "grande imprensa", controlada por meia dúzia de famílias e grupos, articulados com a direita minoritária e revestidos da legalidade do impeachment -- testado no Brasil com sucesso contra Collor. São precedidos de intensa campanha dos veículos de comunicação denunciando suposta corrupção e supostos atos ilegais dos governos, moldando a opinião pública, especialmente das classes médias moralistas, confusas e facilmente influenciáveis. Foi assim na Venezuela em 2002, na Bolívia, no Equador, no Brasil, agora no Paraguai.
Da Agência Carta Maior.
"Estamos diante de uma guerra não convencional"
Representante de uma nova geração de líderes políticos da esquerda latinoamericana, o presidente do Equador, Rafael Correa, foi lançado para a linha de frente do cenário político mundial com o pedido de asilo político feito, em Londres, pelo fundador do Wikileaks, Julian Assange. Há poucas semanas, Assange entrevistou Correa e os dois conversaram, entre coisas, sobre um tema de interesse de ambos: as operações de manipulação conduzidas pelas grandes corporações midiáticas. Agora, durante sua passagem pela Rio+20, Rafael Correa voltou com força ao tema.
Em uma entrevista especial concedida à Carta Maior e aos jornais Página/12, da Argentina, e La Jornada, do México, analisa este que considera ser um dos principais problemas do mundo hoje: o poder das grandes corporações de mídia que, na América Latina, agem como um verdadeiro partido político contra governos que não rezam pela cartilha desses grupos. "Essa é a luta, não há luta maior. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste". Na entrevista, Correa fala sobre o pedido de asilo de Assange, relata o debate sobre uma nova lei de comunicações no Equador e faz um balanço pessimista sobre os resultados da Rio+20.
Há um argumento segundo o qual a liberdade de imprensa é propriedade dos meios de comunicação empresariais. Imagino que essa não seja a sua opinião.
Correa: Não nos enganemos. Desde que se inventou a impressora a liberdade de imprensa, entre aspas, responde à vontade, ao capricho e à má fé do dono da impressora. Devemos lutar para inaugurar a verdadeira liberdade de imprensa que é parte de um conceito maior e um direito de todos os cidadãos, que é a liberdade de expressão, que defendemos radicalmente. No entanto, o poder midiático que faz negócios com o objetivo de ter lucro, até isso quer privatizar. Então, se eles têm tanta vocação para comunicar, como dizem, que o façam sem finalidades lucrativas, porque para mim isso é uma contradição.
Este é um grande problema na América Latina e também em nível planetário. Tenho tomado conhecimento que existem posições semelhantes às nossas, mas houve um tempo em que nos sentíamos muito sozinhos, quando fomos vítimas de um ataque tremendo por não abaixar a cabeça diante de um negócio muitas vezes corrupto e encoberto sob a capa da liberdade de expressão. Essa é a luta, não há luta maior.
Presidente, nestes dias foram divulgados telegramas pelo Wikileaks onde apareceram jornalistas equatorianos que eram considerados informantes pela embaixada dos Estados Unidos. Isso confirma as hipóteses levantadas quando você foi vítima de um golpe de Estado.
Correa: As mentiras deles sempre acabam sendo derrubadas. Entidades que financiam esses empórios midiáticos, certas organizações que, em nome da sociedade civil, nos denunciam ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a SIP, ante todos os lados. Agora vemos que esses senhores são identificados via Wikileaks como informantes da embaixada (estadunidense). Wikileaks que nunca é publicado pela maioria da imprensa comercial. Não é só isso. Essa gente é financiada pela Usaid, que vocês conhecem. A Usaid financiou com 4,5 milhões de dólares a estes supostos defensores da liberdade de expressão, supostamente para fortalecer a democracia e a ação cívica. Na verdade, para fortalecer a oposição aos governos progressistas da América Latina e os povos da região tem que reagir contra esse tipo de prática.
A íntegra.