Dessa vez a Polícia que Mata espancou um antropólogo, sem mais nem menos. E a polícia civil é cúmplice da violência, como se vê na matéria abaixo: a vítima foi registrar a ocorrência na delegacia e o delegado tentou intimidá-la, dizendo "PM não bate à toa, alguma coisa você fez". Por que a PM bateu em corinthianos que comemoravam o título na Avenida Paulista? Serra é palmeirense, Lula é corinthiano, será por isso? O fato é que em São Paulo, como em Belo Horizonte, os espaços públicos não podem mais ser usados pela população. A polícia dispersa, batendo. A não ser que esteja em menor número. Nesse caso, usa bombas e balas, de borracha ou de matar mesmo. O argumento do barulho é absurdo, não só porque comemorar faz parte da vida urbana e festas de títulos sempre foram toleradas, inclusive pela ditadura, mas porque, além de não atender mais reclamações de barulho, a própria PM agora passa de madrugada pelas ruas acionando um novo tipo de sirena cujo som altíssimo tem o objetivo de provocar pânico. A velha imprensa, ex-grande, também é cúmplice da violência, e ignora a notícia, quando não faz assessoria de imprensa da PM e provoca as vítimas, como aconteceu na invasão da USP. É assim que o fascismo cresce. O antropólogo Danilo demonstra coragem que todos deveríamos ter e não temos. Corre risco de retaliações. O que pode protegê-lo é a publicidade do seu nome. O desmonte desse aparato policial herdado da ditadura e usado pela direita para chegar ao poder (em São Paulo, coronéis da PM são administradores regionais do Kassab!) é uma tarefa de governo fundamental para a democracia brasileira.
Do blog Vi o mundo.
Danilo: "Nunca vi tanto prazer em espancar gente; é a segurança da impunidade"
por Conceição Lemes
Danilo Paiva Ramos tem 30 anos, é antropólogo, faz doutorado na USP, onde é pesquisador. Domingo, 5 de dezembro, ele foi à casa de amigos assistir ao jogo Corinthians vs Palmeiras. Na volta, acabou espancado na Paulista por um PM. Muito indignado, fez um boletim de ocorrência no 78º Distrito Policial e um relato da arbitrariedade e da violência daquele fim de noite e mandou, por e-mail, para muita gente (Veja aqui). Ontem, terça-feira, 6 de dezembro, eu conversei com Danilo, entre a ida dele à Corregedoria e à Ouvidoria da Polícia Militar e o novo exame de corpo de delito, no Instituto Médico Legal. Ele deu mais detalhes do que aconteceu desde o instante em que desceu na estação Trianon-Masp, do metrô. O que impressiona é a segurança da impunidade por parte de autores e responsáveis.
Viomundo — Vocês estavam em quantos?
Danilo Ramos – Eu estava sozinho, voltando para casa! Desci no metrô Trianon-Masp e vi na calçada da Paulista um grupo tocando tambor, festejando o pentacampeonato, todos superpacíficos. Eu vestia a camiseta do Corinthians, parei para olhar. Em questão de uns cinco minutos, já estávamos sendo espancados. Eu não percebi que um grupo de policiais se formou atrás de mim. Quando vi, já estava apanhando. Como eu estava um pouco distante do pessoal que batucava, fui um dos primeiros com que os policiais se defrontaram. Todos com cassetetes na mão, eles vieram "varrendo" a calçada da Paulista. Bateram primeiro na palma da mão, depois na barriga… É pra não deixar marcas.
Viomundo — No seu relato, você diz que tentou conversar com o policial agressor, para saber por que estava apanhando. Depois, falou com um suposto sargento que estava no local. Gostaria que você repassasse esses momentos.
Danilo Ramos — Na verdade, eu demorei um pouco para entender o que estava acontecendo. Um soldado me agrediu mais de uma vez. Fiquei muito indignado. Perguntei o nome dele, que não respondeu. Continuou me xingando, me ameaçando. Perguntei então por que estava fazendo aquilo. Respondeu que as pessoas da Paulista precisavam dormir, descansar. Depois, atrás dele, veio outro PM, com cassetete, berrando que iria me espancar de verdade. Nessa hora, vi um senhor mais alto, com quem algumas pessoas da multidão estavam indo conversar. Reparei pela identificação que era sargento e fui questioná-lo: "Eu estou sendo espancado por um soldado seu e preciso saber o nome dele". "Me aponta quem é esse soldado", devolveu-me. Apontei, porque era fácil reconhecê-lo pelo aparelho que usava nos dentes. "Eu não conheço esse soldado", respondeu. "Se você quiser uma identificação, anota aí a minha." Estava escrito 3 sgt LUIZ. As pessoas já estavam correndo e um rapaz veio me tirar dali: "Sai, sai, que eles vão te pegar mesmo!" Fui saindo com o pessoal. Daí, sozinho, desci a Pamplona e fui para a minha casa. No caminho, tirei a camiseta, pois havia um monte de viaturas circulando e fiquei com medo de que me seguissem e me espancassem mais severamente. Cheguei em casa, atemorizado, tremendo, conversei com a minha esposa e fomos ao 78º DP, na rua Estados Unidos. Na delegacia, assim que comuniquei ao delegado que iria fazer um boletim de ocorrência contra um soldado que tinha acabado de me espancar na Paulista, ele alterou a voz, começou a gritar, insinuando que eu tivesse feito alguma coisa com esse soldado: "Polícia não bate à toa, você deve ter feito alguma coisa, você deve ter provocado". "Eu não provoquei", rebati. "Eu tratei o soldado por senhor o tempo todo, enquanto ele me xingava. Eu tratei também o sargento por senhor o tempo inteiro…" E prossegui: "Os PMs xingam para provocar até a gente perder a razão. Justamente por isso eu tratei todos como senhor. E o pessoal do grupo também não estava xingando, estava superpacífico, não estava fazendo nada demais. Agora se esse é modo com que o senhor trata as vítimas na sua delegacia, eu vou procurar outra". Aí, o delegado [Marcelo da Silva Zompero] disse: "Espera que eu preciso pegar o seu nome". Diante da intimidação, reagi: "O senhor vai me passar o seu nome também, porque ele vai constar no outro BO". Ele parou: "Então vou registrar o BO aqui para você".