Esta entrevista à revista Época é a mais detalhada defesa do ministro Fernando Pimentel até agora, mais até do que os textos publicados no seu saite. Adianta sobre a natureza dos serviços que ele prestou aos clientes da sua empresa, a P-21. Mostra também o espírito do ministro -- nervoso, segundo a revista. Mas não acaba com as dúvidas. Se Pimentel cometeu crimes, não são crimes que deixam marcas, mas indícios. Por exemplo: quem preparou o edital da licitação vencida pela Convap (cliente de Pimentel), que a isentou de apresentar comprovante de quitação de débitos com a prefeitura (a empreiteira deve ou devia, mais de R$ 400 mil em tributos e taxas ao município). Pimentel sabia disso? A empresa do "amigo do seu pai" lhe pagou R$ 514 mil por uma consultoria, mas não pagou a dívida de R$ 400 mil à prefeitura? Pimentel ganhou R$ 400 mil da empresa dos filhos do seu sócio para indicar clientes para ela? Quais são as datas das notas fiscais? Quando os serviços foram prestados? É bom lembrar que Pimentel passou praticamente todo o ano de 2010 articulando sua candidatura ao governo de Minas pelo PT, coordenando a campanha da presidente Dilma e em campanha para o Senado. Como é que conseguiu conciliar sua campanha com essas consultorias milionária? Especialmente a mais cara, para a Fiemg -- se ela se concentrou em 2009, significa que ele ganhou mais de R$ 900 mil em um ano, ou seja, cerca de R$ 80 mil por mês. Este é um "valor de mercado"? Quantas consultorias com valores similares paga a Fiemg?
Que a velha imprensa está interessada em derrubar mais um ministro do governo Dilma, é claro que está. Dessa forma, ela torna a presidente sua refém. Mas também é certo que os repórteres de O Globo que estão à frente das reportagens são idôneos. Eles fazem seu trabalho, que no caso é irrepreensível. Não há invenções nem deturpações, como costuma fazer Veja e outras publicações. Se o ministro não cometeu ilícitos, basta explicar. Ele exerce função pública e deve informações aos eleitores da presidente Dilma e aos seus. Ao contrário do que suas respostas sugerem ("Precisamos esclarecer: no Brasil, quando o cidadão não tem cargo público, ele pode trabalhar? Estou respondendo isso tudo aqui para vocês porque não tenho nada a esconder. Nada! Tudo o que fiz está dentro da lei. Eu podia virar para vocês e falar: 'Não dou a menor satisfação'."), ele tem obrigação de se explicar. Ele não tinha cargo público, mas continuava fazendo política, liderando o PT, articulando sua candidatura e a candidatura da atual presidente. Seria diferente se ele tivesse voltado a dar aulas na universidade, sua profissão original, antes de entrar na Prefeitura de Belo Horizonte.
Inexplicável é que Pimentel tenha se dedicado a ganhar R$ 2 milhões de grandes empresários (mais do que ele jamais ganhou, conforme diz) enquanto articulava sua candidatura a governador pelo Partido dos Trabalhadores. Ou todo candidato do PT trabalha para grandes empresários? Receber milhões de entidades empresariais é comum entre lideranças do PT? "Estou dizendo, alto e bom som: sou amigo da maioria dos empresários de Belo Horizonte – e talvez de Minas Gerais." Não seria de se esperar que ele tivesse amigos entre trabalhadores e pessoas que desde os anos 70 são ligadas à construção do PT, em vez daqueles que sempre combateram o partido? Ao se colocar como "amigo de empresários", ele dá um recado óbvio à velha imprensa ("sou um de vocês") e busca sua proteção.
O que mais me impressiona no caso é a incapacidade da nova imprensa discutir o assunto sem paixão. Os que atacam Pimentel revelam ódio ao PT e ao governo Dilma; os que o defendem o fazem com ódio à velha imprensa e ignoram os fatos.
Da Época.
Fernando Pimentel: "Se ter amigos empresários for crime, sou criminoso"
Na ampla sala de reuniões ao lado de seu gabinete, o ministro do desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, tira da mala preta dois envelopes e uma pasta transparente com notas fiscais e contratos. Ao pegar os papéis, suas mãos tremem um pouco. Pimentel fala mais rápido que o normal. Ele está nervoso porque, na semana passada, foi divulgado que sua empresa, a P-21, recebeu R$ 2 milhões ao prestar serviços de consultoria a três empresas privadas e a uma federação de empresários, entre 2009 e 2010. Dois de seus clientes receberam recursos da prefeitura. Um deles em sua gestão, que terminou em 2008. O outro foi na atual administração, de Márcio Lacerda (PSB), que Pimentel ajudou a eleger. Num governo abalado neste ano pela queda de sete ministros – um deles, Antonio Palocci, por ganhos milionários com consultoria –, Pimentel está desconfortável na situação de ter de explicar como ganhou dinheiro fora da vida pública. Mais delicado: ele é o ministro mais próximo da presidente Dilma Rousseff, de quem é amigo há mais de 30 anos. Nesta entrevista, Pimentel afirma que seu desempenho como consultor não está relacionado a sua gestão como prefeito, mas às amizades. O caso do ministro Palocci é o dele, eu vou julgar o Palocci? Deixa o Palocci resolver os problemas dele
Época – Quais consultorias o senhor prestou?
Fernando Pimentel – Prestei quatro consultorias. Estou com todas as notas fiscais aqui. Um contrato maior com a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) para prestar serviços ao Ciemg (Centro das Indústrias do Estado de Minas Gerais). Trabalhei orientando, assessorando e dando as diretrizes dos programas que a Ciemg – e a Fiemg – elaborou. Alguns viraram programas, como o Minas com Sustentabilidade. Fazia reuniões para discutir a conjuntura, fazer análise econômica.
Época – O senhor produziu relatórios para a Fiemg?
Pimentel – A Fiemg produziu material. Outro cliente foi a Vitória Engenharia, do Grupo Convap, de Belo Horizonte. O presidente da Convap, Flávio Vieira, é um homem de 85 anos, foi amigo de meu pai. Ele me pediu que o ajudasse a reposicionar a empresa no mercado. A construção pesada começou a aquecer no Brasil, com o PAC. Eu o ajudei a fazer um plano de negócios. Nada a ver com influenciar resultado de licitação no setor público.
Época – O senhor deu indicações onde a empresa poderia atuar no setor público?
Pimentel – Do setor público, não. Sugeri que ela se associasse a empresas que conheço em Minas Gerais. A imprensa tem falado sobre minha relação com um empresário, o Roberto Senna, presidente da construtora HAP. Mas poderia falar a mesma coisa da Egesa (construtora), onde sou amigo do Elmo (Teodoro Ribeiro), da Fidens (construtora), onde sou amigo do Fernando Frauches, da (construtora) Barbosa Mello, onde sou amigo do Guilherme (Moreira Teixeira). Todos esses eu encaminhei para parcerias da Convap. Para isso, cobrei dele R$ 514 mil. Não tem contrato. Se eu pedir ao doutor Flávio para fazer um contrato comigo, ele vai ficar ofendidíssimo. O contrato é nota fiscal. Você tem de prestar o serviço, emitir nota e pagar tributo. Foi o que fiz.
Época – E a terceira cliente?
Pimentel – A terceira é a QA Consulting, uma empresa de informática. Os sócios são filhos de meu sócio na P-21, Otílio Prado. Eles me pediram ajuda num plano de negócios. Disseram que têm um contrato antigo, prestaram serviço não sei onde. Não tive nenhuma influência nisso. Sugeri que fizessem um serviço de cabeamento para a HAP, que custou R$ 230 mil, R$ 240 mil. Pela consultoria que fiz para eles (QA), cobrei R$ 400 mil em dois anos. Se o Roberto Senna (da HAP) quisesse repassar recursos, ele contratava minha empresa. Tudo vira uma suspeição.
Época – E a quarta?
Pimentel – A ETA, indústria de bebidas de Paulista (Pernambuco). Cobrei R$ 130 mil em duas parcelas para um diagnóstico de mercado. Ocorre que essa empresa foi vendida. Os que compraram nem sabem desse trabalho. Está aqui tudo documentado, a nota fiscal para a empresa. Eu tenho outro, que pode aparecer. É a Newcom: R$ 5 mil. Foi uma palestra sobre conjuntura econômica. Montei a P-21 para trabalhar honestamente e sobreviver. Faturei R$ 2 milhões brutos. Foi R$ 1,259 milhão em um ano e R$ 670 mil no outro. Se você tirar os tributos, os custos com escritório, secretária, sobra R$ 1,3 milhão, no máximo. Supondo que retirei tudo na forma de dividendo, o que não é verdade, porque deixei um pouco na empresa, eu teria ganho R$ 1,2 milhão em 24 meses – ou seja, R$ 50 mil por mês. É um salário de executivo médio.
Época – O senhor ia pessoalmente aos clientes?
Pimentel – É lógico. São todos meus amigos. Há uma forçação de barra para transformar tudo em coisa suspeita. Aí descobriram que o empresário Roberto Senna (da HAP) responde a um processo junto com o prefeito. Ele responde a um processo comigo e mais 50 pessoas. É um processo de fatos ocorridos em 2001. Estou dizendo, alto e bom som: sou amigo da maioria dos empresários de Belo Horizonte – e talvez de Minas Gerais. Se isso for crime, sou um criminoso! Se não puder – quando não tenho cargo público – trabalhar usando a experiência que tenho, o que eu vou fazer?
A íntegra.