Matamos 80 bilhões de animais para consumo por ano em todo o mundo. Mais 25 milhões são mortos em experimentos de laboratório nos EUA.
Da revista Ciência Hoje.
Somos tão diferentes assim?
Por Mariana Ceccon
A pergunta do título deu o tom do II Congresso da Associação Médico-veterinária Brasileira de Bem-estar Animal, realizado na semana passada, em Curitiba, para debater o tema consciência e cognição animal. O encontro, que teve o apoio do Laboratório de Bem-estar Animal (Labea) da Universidade Federal do Paraná, homenageou o etólogo brasileiro César Ades, referência mundial na área de comportamento animal, falecido em março deste ano.
Para o especialista em ética animal Raymond Anthony, da Universidade Anchorage, no Alaska, Estados Unidos, se usamos animais em nosso benefício, temos que nos sentir obrigados a atender suas necessidades e a protegê-los. "Garantir bem-estar é muito mais que apenas evitar a crueldade", disse Anthony, para um público formado em grande parte por estudantes de graduação em veterinária. "É nosso dever mantê-los livres de fome, sede, dor, doença, estresse e medo."
A veterinária Rita Leal Paixão, do Labea, ao falar sobre o uso de animais em laboratórios de pesquisa, condenou o procedimento muitas vezes adotado nesses ambientes de separar animais recém-nascidos de suas progenitoras.
Ela lembrou, a propósito, o conhecido experimento feito no final dos anos 1950 pelo psicólogo norte-americano Harry Harlow (1905-1981), em que ele separou bebês macacos de suas mães logo após o nascimento. Apesar de receber alimento e cuidados médicos, os animais isolados morriam. Outras etapas do experimento de Harlow mostraram que o recém-nascido apega-se muito mais aos que o aconchegam e lhe dão afeto do que àqueles que o nutrem.
Ao tratar da reação dos animais aos estímulos do meio ambiente, Paixão defendeu a recuperação do termo "senciente", cunhado pelo filósofo australiano Peter Singer – professor de bioética da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos – em seu livro Libertação animal, de 1975. "Animais sencientes são aqueles capazes de expressar estados mentais a partir de sensações físicas", explicou a veterinária da UFPR.
Segundo Raymond Anthony, o número de animais mortos em laboratórios de pesquisa nos Estados Unidos chega a 25 milhões por ano. No que se refere a animais criados para consumo alimentício, o número de indivíduos abatidos anualmente em todo o mundo atinge nada menos que 80 bilhões. "São números alarmantes", considera Anthony, para quem a questão da consciência animal precisa ser encarada seriamente no campo da neurociência. "Ter consciência é um tudo-ou-nada, isto é, determinado grupo animal tem ou não consciência, ou trata-se de uma questão de grau?", pergunta-se.
A íntegra.