Não sou petista, nunca fui.
Ontem, no entanto, na rua, fui ameaçado por um desconhecido, de bandeira tucana em punho, de chamar a polícia federal para me prender, porque eu tinha um adesivo da Dilma na camisa.
Há momentos decisivos, em que os dois lados em confronto têm diferenças nítidas.
Em 1989, na primeira eleição
presidencial direta depois da ditadura, votei em Mário Covas. No segundo
turno, votei no Lula. O lado certo naquela eleição era óbvio -- como é
agora.
Em 1994, votei no Fernando Henrique; em 1998, não votei.
Não poderia votar num presidente que muda as regras do jogo para se
beneficiar. Na emenda da reeleição, FHC revelou seu caráter,
independentemente de ter comprado votos ou não, como reportagens do
Fernando Rodrigues mostraram. Corrupção nunca foi um argumento que me
convenceu. É um argumento ingênuo e oportunista: a corrupção faz parte
da política capitalista e aqueles que mais gritam contra ela são
geralmente os mais corruptos. Quem se deixa levar por esse argumento
pode ser ingênuo na primeira vez, mas depois é cínico, ignorante ou
idiota. Na história do Brasil, a bandeira moralista foi sempre agitada
pela direita golpista, que, no poder, foi tanto ou mais corrupta. Alguém
acredita a sério que o candidato da oposição, hoje, vai acabar com a
corrupção?
Não foi a denúncia do "mensalão" -- a maior farsa da
história política do Brasil, que resultou no maior erro judiciário de
todos os tempos, conforme demonstrou em reportagens a revista Retrato do
Brasil do eminente jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, que também não é petista e nunca foi -- que me levou a votar no Alckmin em 2006.
Sim,
eu votei no Alckmin em 2006, mas não exatamente por ingenuidade ou
falso moralismo, e sim porque achava que a alternância no poder, naquele
momento faria bem ao país.
O PT tinha chegado ao poder, feito
sua experiência, muito diferente daquela que prometia, e seria bom o
PSDB governar outra vez, quem sabe melhor; seria bom o PT voltar para a
oposição e governar novamente, possivelmente melhor, quatro anos depois.
Quem inventou a reeleição, vou insistir, foi o PSDB, por um
interesse imediato e pessoal do ex-presidente FHC, que fez muito mal à
rejuvenescida democracia brasileira.
Parêntesis: FHC é uma
curiosa figura pública que com o passar do tempo se torna cada vez
menor. O tempo fez muito mal ao que parecia ser sua qualidade: o
intelecto. De fato, sua característica maior é a vaidade, capaz de
levá-lo a se prestar à cena ridícula de posar sentado na cadeira de
prefeito antes de ser eleito -- e depois perder a eleição. Agora, numa
idade em que a sabedoria lhe cairia bem, se deixa levar pela onda
protofascista do seu partido e declarou, nesta eleição, que o voto dos pobres atrasa o país, pois os pobres são mal informados. Quem é bem informado então? Quem vê Globonews? Quem lê Veja e Folha?
Ele, que deve se considerar bem informado, fez um governo muito pior do
que o pobre, "ignorante" e nordestino Lula. Enfim, eu, que já o admirei,
votei nele e li até seu livro de memórias, coisa que pouca gente fez,
vejo-o hoje como um anão na política brasileira, um sujeito que cada vez
se torna menor e que passará para a história mais ou menos como o
presidente Washington Luís, isto é, lembrado só porque precedeu Getúlio
Vargas. Ao contrário de FHC, talvez por não ser petista, Lula não me
decepcionou, ao contrário, surpreendi-me por ele fazer um
governo muito acima das minhas expectativas. Quanto mais deixava de me
informar pela "grande" imprensa e me aprofundava e variava leituras,
disponíveis principalmente nesta invenção revolucionariamente
democrática, que é a internet, mas também em livros, mais admirava o
governo Lula.
Os tucanos, nos quais votei, repito, em duas
eleições seguidas e mais uma vez em 2006, não se mostraram à altura da
sua missão, de realizar a social-democracia que adotaram no seu nome.
Transformaram-se em neoliberais e agora flertam com o fascismo. Quem
assumiu a posição social-democrata no Brasil foi o PT, empurrado para o
centro pelo deslocamento para a direita dos partidos que, no combate à
ditadura, se pretenderam democratas e reformadores.
Os governos do PT conviveram com a liberdade de imprensa demonstrando admirável e rara convicção democrática.
Quem
censurou a imprensa, cooptou-a com verbas publicitárias, pressionou
veículos, constrangeu jornalistas, solicitou retirada de reportagens da
internet e apreensão de equipamentos e materiais da oposição, como no
tempo da ditadura, foram os governos tucanos.
Esta é a
realidade brasileira, óbvia para
qualquer observador estrangeiro e para qualquer brasileiro que conhece o
essencial da História.
Não à toa, os jornalistas estrangeiros se
espantaram quando chegaram para cobrir a Copa e encontraram um país
muito melhor do que aquele que a "grande" imprensa brasileira pintava.
Não
à toa, a cobertura das eleições por correspondentes estrangeiros tende a
ser muito mais imparcial do que a que os brasileiros consomem
diariamente.
Nada mais absurdo do que acusar o PT de autoritário, de querer implantar a ditadura ou o comunismo.
O PT é o que o PSDB deveria ter sido: um partido reformista capitalista.
Tudo que o PT fez no governo o PSDB poderia ter feito, deveria ter feito, esperávamos que fizesse.
Distribuir renda, criar empregos, melhorar a educação e a saúde.
O
que impressiona é que um partido capitalista reformista "assuste" a
classe média, por adotar políticas que os países mais desenvolvidos --
os quais elas tanto elogiam, quando voltam de viagens de férias -- já
adotaram há muito tempo.
A mesma classe média que pediu o golpe em 1964.
A classe média que, depois do golpe, arrependeu-se e foi para as ruas pedir o fim da ditadura.
O PSDB é hoje a UDN de 64.
O mesmo moralismo, o mesmo oportunismo, o mesmo flerte irresponsável com o golpe e a ditadura.
Mais
uma vez temos dois lados em confronto, um lado reformista, democrático,
que se apoia no voto da maioria e por isso implanta políticas que
atendem em parte interesses dos trabalhadores, e de outro um lado
reacionário, liderado pelas elites golpistas, apoiadas nos votos da
classe média moralista, preconceituosa e facilmente manipulada por
campanhas difamatórias.
Um lado que vence nas urnas, que tem o apoio da maioria, porque a maioria é pobre, é constituída de trabalhadores.
Outro lado que não vence nas urnas, porque defende interesses antipopulares e por isso tem que apelar para golpes.
Golpes
baixos, como a capa da Veja, inventada para interferir no resultado da
eleição, e prontamente repetidas pelos demais veículos de comunicação,
reproduzida pelo candidato da oposição e entregue nas ruas aos
eleitores, como propaganda eleitoral.
Nas vésperas do golpe
de 1964, houve também um intenso, organizado e caríssimo trabalho de
difamação do governo Jango para mobilizar as massas de classe média e
justificar a pretensa "intervenção democrática" dos militares.
Os militares iam só "restaurar a ordem". Ficaram no poder 21 anos e deixaram o país muito pior do que o encontraram.
A diferença, hoje, é que os militares não se prestam mais ao papel de golpistas a serviço das elites reacionárias.
Alguém duvida de que a oposição atual já não teria apelado para os militares, se eles estivessem dispostos ao golpe?
Não
é difícil imaginar FHC elaborando argumentos para justificar uma
intervenção para "afastar os corruptos que aparelharam o poder", diante
da "ignorância dos pobres".
A gente pode se enganar uma vez, por ingenuidade ou ignorância, mas não duas, três, quatro.
Depois de passar pelo golpe de 64 e por 21 anos de ditadura.
Depois de passar pela eleição de Collor, seu governo desastroso e seu afastamento.
Depois de conhecer a farsa do julgamento do "mensalão".
Não
dá pra votar nesse pastiche de "mudança" que depende da aprovação da
maioria e apela para golpes baixos para chegar ao poder.
Nós, brasileiros, precisamos de mudanças, sim, muitas mudanças, mudanças importantes.
Uma das mudanças de que precisamos é a do PSDB -- precisamos que ele mude para ser um partido social-democrata como prometeu ser, que defenda a democracia e reformas para melhorar a vida dos pobres, dos trabalhadores, da maioria.
Nos doze últimos anos o PT mudou o país para melhor, em muitas coisas, e para pior, em outras.
Nossas cidades, atulhadas de carros e prédios, mudaram para pior.
Mas o PSDB não é contra isso, só não foi capaz de fazê-lo, porque essa degradação da qualidade de vida nas cidades decorre do crescimento econômico e do acesso dos mais pobres ao consumo, e o governo FHC optou pela recessão, segundo o receituário do FMI.
As mudanças de que precisamos viriam, provavelmente, se o PSDB fosse de fato o PSDB.
E o PT fosse o PT, com ideias e práticas socialistas, um partido que abraçasse a causa ambiental como uma causa dos trabalhadores, do socialismo, do futuro.