Uma bela edição da revista do Projeto Manuelzão, a deste mês de outubro de 2014, é um número pedagógico, dedicado a mostrar, especialmente para escolas, como incluir a questão ambiental na sua prática diária. Contemporânea de dois desastres ambientais em Minas Gerais, a secagem da principal nascente do Rio São Francisco e o rompimento catastrófico da barragem da Herculano Mineração, a revista começa com uma advertência, na da capa: "Sem ações sustentáveis os rios morrem", e termina com um alerta: "De nada adiantará a sociedade se mobilizar e fazer a sua parte, se as empresas e o governo não fizerem a sua".
Não desperdiço tempo com empresas, que põem o lucro dos acionistas à frente de todos os demais "objetivos estratégicos" (basta assistir a alguma palestra dessas de especialistas em treinamento de gerentes para comprovar isso) e tratam a tão em moda "sustentabilidade" muito mais como uma marca que ajuda vender sua imagem e seus produtos do que como uma preocupação verdadeira. Não conheço uma empresa privada sequer que, entre os prejuízos ambientais e sociais e os prejuízos financeiros tenha optado pelos últimos.
Os governos, no entanto, podem fazer com que empresas privadas como a Mineração Herculano, a contragosto, ponham o ambiente e os interesses coletivos, destas e das futuras gerações, em primeiro lugar. No caso em questão, bastava que a legislação fosse tão rigorosa e as autoridades tão eficazes que um desastre como esse condenasse a empresa a permanecer inativa até a reparação de todos os danos ambientais causados e que os bens dos seus acionistas e fossem colocados em indisponibilidade para custear os prejuízos. Porque a lógica da mineração -- lembremos mais um caso, o do escandaloso mineroduto que atravessa Minas de Norte a Sul -- é, como de resto para toda empresa privada, a apropriação particular dos lucros e a socialização dos prejuízos. Assim, os lucros da exportação de minério ficam com os acionistas, mas os prejuízos ambientais e sociais que a atividade causa cabe ao Estado repará-los.
Governos amigos dos empresários, ou mais que amigos, promíscuos, garantem que as coisas funcionem assim, quando deveriam estar cuidando que prevalecessem nessas relações os interesses coletivos. Assim é que as leis que o governo estadual envia para a Assembleia -- onde prevalecem os lobbies -- são leis que favorecem os interesses das empresas, como a do famigerado mineroduto, e as leis que os deputados aprovam também são essas. Tudo em nome do "desenvolvimento", que é um eufemismo de "lucro".
Estamos, porém, em momento de mudança de governo, temos um governador eleito que, pela primeira vez na história de Minas Gerais, pode colocar os interesses coletivos acima dos interesses privados. Porque é um governador do Partido dos Trabalhadores, e aos trabalhadores interessa o bem coletivo. Só os trabalhadores podem pôr em prática a bandeira ambiental, que nada mais é do que o interesse da preservação da espécie humana, dos nossos netos, nossos filhos, nós mesmos. Não podemos sobreviver sem o ambiente em volta, sem as demais espécies, sem a terra, sem a água. O capital não pensa no futuro, porque busca o lucro e o lucro é imediatista. É claro que há espaço para o capital na sociedade, é ele que não consegue ocupá-lo, porque para isso tem de abrir mão da sua essência, que é o lucro imediato, que vem sempre acompanhado de destruição e travestido de "desenvolvimento".
Na atual eleição, tínhamos três projetos políticos em disputa. O projeto neoliberal conservador, representante do capital, trata do ambiente como marketing, preocupa-se com os votos que a propaganda da causa ambiental pode lhe render. Está aí a lembrança dos candidatos tucanos nadando nas águas do Rio das Velhas em 2010, para logo em seguida boicotar sua recuperação. A consequência é o que se vê hoje nesta grande seca. O rompimento da barragem, uma de tantas, é outro exemplo de como os interesses das empresas levam tal governo a ignorar o ambiente.
O outro projeto, desenvolvimentista, descuida do ambiente por outras razões, menos mesquinhas, mas igualmente imediatistas. Para ele, a distribuição de renda, a geração de empregos, o combate à fome, a criação de oportunidades para ascensão dos pobres e promoção da igualdade social exigem um crescimento acelerado promovido pelo capital com incentivos do Estado. Mais uma vez a Bacia do Rio São Francisco é o melhor exemplo, pois a transposição é um grande projeto -- social, de engenharia e econômico -- que deixa de lado o principal: a recuperação das nascentes e das margens de um rio que está sendo morto há séculos.
Mais crescimento significa mais destruição e assim a superação do gigantesco e secular passivo social da sociedade
brasileira torna-se a grande inimiga do
ambiente. Nos governos recessivos dos tucanos destruía-se menos porque se produzia menos; nos anos de "crescimento acelerado", a destruição ambiental também aumenta aceleradamente.
O terceiro projeto prosperou em 2010 e nos últimos anos abrigando a possibilidade de um "novo desenvolvimento", muito mais do que de uma "nova política", mas perdeu-se no oportunismo, engolido pela velha e míope política de sempre. Com ele desfez-se a possibilidade de construção de uma alternativa capaz de enfrentar imediatamente a catástrofe ambiental ou no mínimo pressionar o governo, neoliberal ou desenvolvimentista, a fazê-lo.
A superação da catástrofe ambiental exige uma mudança de mentalidade, como enfatiza a revista do Projeto Manuelzão, a mais admirável iniciativa ambiental existente em Minas Gerais, que, não obstante todos os revezes, realiza há 17 anos seu trabalho de formiguinha, como aquela criança da fábula que com seu baldinho queria mudar a água do mar de lugar. Ele faz a sua parte, muitos de nós fazemos a nossa parte, individualmente, mas "de nada adiantará a sociedade se mobilizar e fazer a sua parte, se as empresas e o governo não fizerem a sua". Com realismo, sem desanimar, como no caso da inegável decepção com o último governo estadual, o Projeto Manuelzão segue fazendo a sua parte. Está na hora de os governos -- estadual e federal -- fazerem a sua e obrigarem as empresas a assumirem sua responsabilidade capital na destruição do ambiente.
Ameaçados pela seca, vivemos o pior momento da crescente destruição ambiental. Podemos também estar diante da melhor perspectiva, no que se refere a ações governamentais, com a posse do governador Pimentel e -- oxalá -- da reeleição da presidente Dilma. Desenvolvimento com conservação ambiental em primeiro lugar, eis a bandeira. É preciso mudar mentalidades e o lugar por excelência para fazer isso são as escolas, como diz a revista do Projeto Manuelzão. Sem a mudança de mentalidade, a própria ação do Estado passa a ficar sujeita a ataques, uma vez que o capital e sua imprensa cobrarão "crescimento" e "incentivos", criticarão sem clemência a "lentidão" dos órgãos ambientais e a "perda de oportunidades" pelo país.
Desenvolvimento não é incompatível com conservação ambiental, ao contrário: a única forma de desenvolvimento é com conservação ambiental, é compreendendo que os recursos são finitos e que os seres humanos são parte do ambiente e não os donos dele. O desafio é combinar empregos e distribuição de renda com a recuperação do ambiente e processos que reduzam o impacto ambiental das atividades econômicas e sociais.
A situação exige um verdadeiro "mutirão ambiental", exige a convocação de toda a sociedade, todas as classes, todos os empreendimentos, todos os trabalhadores. É preciso mostrar a gravidade da situação, apontar caminhos, universalizar soluções. Se governo e sociedade forem a favor, o capital não poderá ficar contra. Se o "mutirão ambiental" se tornar uma mentalidade social, poderemos passar do estágio do lucro individual e imediatista que leva à catástrofe iminente a outro estágio, que garanta a sobrevivência da humanidade e uma civilização melhor.