A democracia representativa é uma forma engenhosa que as elites inventaram para governar "democraticamente".
Ora, democracia é, por definição, o governo do povo. Demo
significa povo, em grego, e os gregos são o povo que inventou a
democracia. Ao contrário do que a palavra sugere, porém, a democracia
grega era uma forma de governo ateniense e não de todos os gregos, que
viviam em cidades-Estado, e excluía grande parte dos atenienses, porque
era limitada aos "cidadãos" e ser cidadão grego não era para qualquer um
-- mulheres e escravos (sim, os gregos tinham escravos), por exemplo,
ficavam de fora. Por outro lado, a democracia ateniense era direta,
praticada em assembleias, e não por representantes, e tampouco havia
três "poderes" distintos, o poder era um só, o do povo reunido.
O
gregos inventaram a democracia como governo do povo em oposição a outras
formas de governo: aristocracia -- governo de uma elite; monarquia --
governo de uma dinastia; ditadura (ou tirania) -- que nós sabemos bem o
que é, o governo de uns poucos que se impõem pela força.
Quando a
monarquia foi derrubada pela Revolução Francesa, em 1789, e alguns anos
antes, quando os norte-americanos se tornaram independentes da
monarquia inglesa, as novas elites tiveram de resolver uma charada: como
manter o poder para poucos fingindo que ele é de todos.
É fácil
de entender a razão da charada: as revoluções, como as citadas e a
Revolução Russa, que completará um século daqui a três anos, são feitas
em momentos de mobilização popular, em que a massa age junto e de forma
igualitária contra uma elite. São portanto períodos democráticos, que
mesmo passados deixam uma memória -- de mentalidade e instituições --
democrática; não à toa os EUA se tornaram uma nação mais democrática do
que o Brasil, onde o povo nunca fez revolução, a Independência por feita
por um príncipe português e a República, por um golpe militar. A
Revolução Russa de 1917 implantou o governo dos sovietes, assembleias
populares que exerciam o poder diretamente e deram nome ao próprio país
novo: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E a Revolução
Francesa também, antes, teve suas barricadas, suas assembleias, seus
governos populares.
Quando a revolução passa, o poder popular
arrefece, o povo dispersa, e aí as elites econômicas, formadas por
aqueles que em tempos de paz movimentam a economia e garantem a
sobrevivência da sociedade, os proprietários de todos os negócios --
terras, comércios, indústrias, bancos --, aqueles que se mobilizam e se
associam na paz, nos dias ordinários, eles inventam sua forma de
governar e realizar os seus interesses, quase sempre opostos aos do
povo, como é fácil de entender.
Não podem, porém, afrontar as
bandeiras históricas levantadas pela Revolução: as liberdades, a
igualdade, a justiça, a democracia.
Precisam criar instituições
que aparentemente sejam democráticas, que nominalmente zelem pelas
liberdades, pela justiça e pela igualdade, garantindo, na prática, a
injustiça, a desigualdade e a liberdade apenas para as elites.
A democracia representativa cumpre esse papel, os três poderes cumprem esse papel.
Nela e neles temos aparentemente um governo democrático: parlamentares e governantes eleitos pela maioria e juízes "imparciais".
Na prática, os políticos eleitos e os juízes de carreira atuam distante do povo e sob influência das elites.
O
operário Lula, ao chegar ao Palácio do Planalto, explicou isso com a
simplicidade honesta de um homem do povo: "Somos eleitos pelos pobres,
mas são os ricos que têm acesso aos gabinetes".
É isso a
democracia representativa: quem tem poder na vida cotidiana é que tem
acesso aos governantes e aos juízes, enquanto a polícia mantém o povo
distante.
Ela precisa no entanto ser legitimada, e isso é feito
com eleições -- até a ditadura manteve as eleições periódicas, embora
restrita ao Legislativo e vedada aos políticos cassados, para poder
assim chamar-se de "democracia relativa".
Na democracia representativa, de quatro em quatro anos, o povo tem efetivamente poder: no dia da eleição.
É
o dia em que as elites tremem, o dia em seu poder pode ruir de uma só
vez, o dia em que todo o poder exercido diariamente não vale nada, pois
proprietário e trabalhador têm igualmente um voto cada um, e o voto do
rico vale tanto quanto o voto do pobre. É o dia em que o povo age
coletivamente, o único dia em que a vontade da maioria pode prevalecer
sobre a vontade da minoria. É o dia da igualdade, da justiça, da
liberdade. É o dia em que Democracia merece ser escrita com inicial
maiúscula. É o único dia da Democracia.
A eleição, para usar uma expressão grega, é o calcanhar de Aquiles da democracia representativa.
Todos
os esforços da minoria são para dominá-la, controlando os partidos e as
leis eleitorais, controlando os meios de comunicação e manipulando
informações, difamando os políticos populares e afastando o povo da
política.
Nem sempre conseguem.
A experiência mostra que quanto mais o povo vota, mais aprende sobre o poder do seu voto singelo.
Neste
século, as elites brasileiras ainda não conseguiram dominar o voto
popular, que experimentou Lula em 2002 e repetiu a dose em 2006, apesar
de toda a campanha contrária.
A eleição de Dilma confirmou esse aprendizado popular, o mais longo da história brasileira.
Difícil pensar que o povo jogue fora o que aprendeu.
De fato, o fantasma do poder popular amedronta não só as elites que querem voltar ao poder, mas também as novas elites no poder.
Estas porém são pressionadas a democratizar ainda mais o governo e este é o aspecto essencial da eleição deste domingo.
Não é momento de mudança de rumo, não é momento de golpe.
No único dia em que exerce seu poder, o povo não votará contra ele mesmo.