Mais sobre o que está por trás da construção de Belo Monte: a produção crescente de energia para a indústria de alumínio e outras grandes consumidoras. A produção de alumínio primário é tão prejudicial à sociedade e ao ambiente que os países desenvolvidos a abandonaram. Agora compram o produto do Brasil. A energia elétrica de Belo Monte não é para abastecer a população, que consome pouco; é para essa gente, que não se preocupa nem com o País nem com o ambiente, muito menos com as comunidades atingidas pelas usinas hidrelétricas.
Trechos da ótima entrevista com o professor Célio Bermann:
–  Não é verdade que nós estamos à beira de um colapso  energético. Não é verdade que nós estamos na iminência de um "apagão".  Nós temos energia suficiente. O que precisamos é priorizar a melhoria da  qualidade de vida aumentando a disponibilidade de energia  para a população. E isso se pode fazer com alternativas locais, mais  próximas, não centralizadas, com a alteração dos hábitos de consumo. É  importante perder essa referência que hoje nos marca de que esse tipo de  obra é extremamente necessário porque vai trazer o progresso e o  desenvolvimento do país. Isso é uma falácia.
– Não estou  dizendo para fechar as fábricas de alumínio, de aço e de celulose no  Brasil. O que estou dizendo é o seguinte: parem de ampliar a produção. Diversos países desenvolvidos já fizeram isso. O Japão fez  mais do que isso. O Japão produzia, em 1980, 1,6 milhão de toneladas  de alumínio. Nós estamos produzindo quase 1,7 milhão de toneladas hoje.  Só que a energia elétrica necessária para produzir alumínio tornou-se  da ordem do absurdo. Então o governo japonês, as empresas japonesas  produtoras de alumínio e os trabalhadores da indústria do alumínio  realizaram um debate que culminou com o fechamento de todas as usinas de  produção de alumínio primário no Japão, exceto uma. Isso ainda nos anos  80. Hoje, o Japão produz apenas 30 mil toneladas. De 1,6 milhão para  30 mil toneladas. Diante da necessidade de gerar muita energia para  produzir alumínio, o que o Japão fez? O governo e a sociedade japonesa  disseram: "Vamos priorizar a eficiência, o maior valor agregado. Nós não  precisamos produzir aqui. Tem o Brasil, tem a Venezuela, tem a Jamaica,  tem os lugares para onde a gente pode transferir as plantas industriais  e continuar a assegurar o suprimento para a nossa necessidade  industrial. A gente pega esse alumínio, agrega valor e exporta na forma  de chip." Parece uma coisa tão besta, né? Mas foi isso o que os japoneses  fizeram. Eles mantiveram o crescimento econômico e reduziram a demanda  por energia. Nós estamos caminhando no sentido inverso. Estamos  aumentando o consumo de energia a título de crescimento e  desenvolvimento, e, numa atitude absolutamente ilógica, porque a gente  exporta hoje a tonelada de alumínio a US$ 1.450, US$ 1.500 dólares. E,  para se ter uma ideia, hoje faltam esquadrias de alumínio no mercado  interno, no mercado de construção brasileiro. O preço foi aumentado por  indisponibilidade. Hoje, e fizemos um estudo recente sobre isso, é  preciso importar esquadrias de alumínio porque a oferta no mercado  interno é insuficiente. E, enquanto o Brasil exporta o alumínio por US$  1.450, US$ 1.500, o preço da tonelada de esquadria importada é o dobro:  cerca de US$ 3 mil a tonelada. Vivemos a reprimarização da economia. E não é uma questão do governo,  simplesmente. O governo poderia tornar essa questão pública, dar  condições para que a população compreendesse e debatesse o que está em  jogo, e isso pudesse servir como base de apoio para uma tomada de  decisão do tipo: "Olha, Alcoa (corporação de origem americana com grande  presença no Brasil, é a principal produtora mundial de alumínio  primário e alumínio industrializado, assim como a maior mineradora de  bauxita e refinadora de alumina), vocês não vão continuar aumentando a  produção aqui no Brasil. Procurem um outro lugar. A produção de energia  elétrica gera um problema ambiental enorme, um problema social enorme, e  nós vamos priorizar a demanda da população". Mas, infelizmente, isso  não é feito.
– Eu não sou catastrofista, não tenho a percepção maléfica da  hidroeletricidade. Não demonizo a hidroeletricidade. Eu apenas constato  que, da forma como ela é concebida, particularmente no nosso país nos  últimos anos, é uma das bases da injustiça social e da degradação  ambiental. Se não é pensando em você, você necessariamente vai precisar  pensar nas gerações futuras. Este é o recado para o leitor: é preciso  repensar a relação com a energia e o modelo de desenvolvimento, é  preciso mudar o nosso perfil industrial e também é preciso mudar a  cultura das pessoas com relação aos hábitos de consumo. Nós precisamos  mudar a relação que nos leva a uma cega exaustão de recursos.
A íntegra.
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