domingo, 1 de janeiro de 2012

Perspectivas para 2012: Belo Horizonte

É uma crença infantil pensar que a simples mudança do ano vai trazer transformações na nossa vida. A chuva que cai sobre Belo Horizonte, por exemplo, e que deu trégua no Natal, caiu durante a passagem do ano e continua neste dia primeiro. Nada extraordinário: dezembro e janeiro são mesmo meses de muita chuva -- ainda que seja a maior precipitação da história da capital, como informam os jornalões (que continuam insistindo em chamar a chuva de "castigo" -- talvez seja mesmo, como se verá). Meses de chuva e de catástrofes, porque a cidade, como de resto quase todas as grandes cidades contemporâneas, arranca árvores, asfalta ruas, derruba casas e constrói prédios sem parar, inclusive em encostas de morros, que é o que mais tem nesta região.
Cada vez tem mais gente morando em construções verticais, cada vez tem mais consumo de água encanada e mais esgotos correndo para o velho Rio Arrudas, cada vez tem mais solo impermeabilizado, cada vez tem mais carros sobre o asfalto. Tudo que os técnicos dizem há décadas que provoca catástrofes no período de chuva continua sendo feito, porque quem manda na cidade são as construtoras, as empreiteiras e as montadoras de automóveis. Políticos como o prefeito Lacerda e o governador Anastasia não passam de seus prepostos na democracia representativa burguesa, que, depois de 27 anos, sabemos bem como funciona: os ricos pagam as despesas de campanha dos políticos, que consiste basicamente em muita propaganda sofisticada para enganar o eleitorado, convencendo-o de que, depois de eleitos, governarão para o povo, quando, na verdade, governarão para aqueles que os financiaram.
Foi o próprio presidente Lula quem disse, com sua simplicidade desconcertante: "Somos eleitos pelos pobres, mas quem tem acesso aos gabinetes são os ricos". E porque é assim, problemas corriqueiros como as catástrofes que todos os anos as chuvas provocam, com enchentes, deslizamentos, desabamento de moradias, destruição de vias públicas, mortos, feridos e desabrigados, tudo previsto pelos técnicos, problemas previsíveis porque se repetem ano após ano, não são resolvidos. Quem sofre com as chuvas? Os pobres. Mas quem se importa com os pobres? Para os empresários, catástrofes não são prejuízos, são "oportunidades de investimento", porque as obras terão de ser refeitas pelo Estado e eles ganharão mais dinheiro...
E assim vai. Passadas as chuvas, novas construções são feitas em locais inadequados, transformando a cidade inteira numa imensa favela. Prova disso é que antes as chuvas derrubavam só barracos, agora derrubam prédios de classe média e matam. O que não impede que o prefeito Lacerda tente transformar até ruas, como na Rua Musas, no Bairro Santa Lúcia, e áreas verdes, como a Mata do Isidoro, em novos empreendimentos imobiliários. Como "soluções", prefeito e governador falam em grandes obras, que beneficiarão empreiteiras e farão caixa de campanha, recursos que serão exigidos do governo federal e de órgãos internacionais, endividando ainda mais estado e município, pois segundo os prepostos dos empreiteiros só grandes e caras obras são capazes de resolver o problema...
Enfim, falar em solução para os problemas das chuvas que a velha imprensa estampa no seu noticiário é como imaginar que um lobo pode tomar conta das galinhas. Prefeito e governador estão interessados é em criar mais problemas, porque é assim, tocando grandes e caras obras, que o sistema funciona, é assim que seus patrões ganham dinheiro e é assim que eles próprios ganham dinheiro para suas campanhas.
Os problemas das chuvas não serão resolvidos com dinheiro, mas com decisão política, ação e planejamento -- contrariando os interesses dos ricos. Para isso é preciso proibir a construção de mais edifícios e implodir aqueles construídos em locais inadequados -- em vez de mudar a lei para permitir cada vez mais e mais altos; criar novas áreas verdes -- em vez de acabar com as que existem; deixar os rios e riachos vivos, protegidos por terra e vegetação, em vez de matá-los com esgotos e canalização, incapaz de suportar o crescente escoamento pluvial; privilegiar o transporte coletivo em detrimento do transporte individual. Basta, enfim, conter e reverter o crescimento vertical da cidade.
Belo Horizonte foi criada para abrigar 200 mil habitantes, 300 mil no máximo, mas hoje tem 2 milhões e 100 mil a mais. Não é possível que tanta gente viva em condições decentes, ainda mais sem planejamento. A cidade inchou tão rápido nos últimos 50 anos que tudo que se fez foi correndo atrás do que faltava para abrigar os novos moradores. Em nenhum momento, o crescimento foi contido para que a cidade voltasse ao seu projeto inicial de cidade planejada. A abertura de novos bairros, construção de moradias e levantamento de arranha-céus deviam estar subordinados à existência prévia de condições de vida razoáveis para os novos moradores: luz, água, esgoto, transporte, escola, hospital, parques etc., mas não foi o que aconteceu. Ao contrário, o inchaço, com transtornos para os pobres, mas enchendo o bolso dos empresários, foi seguidamente incentivado com mudanças na legislação que permitiram mais e mais edifícios onde antes havia casas, onde era zona suburbana, onde fora reservado para zona rural.
Em algumas década todos os 331 quilômetros quadrados -- que não é uma grande área -- do município ficaram ocupados por construções e asfalto, com raras exceções cada vez mais deterioradas, como a orla da Pampulha e o Parque das Mangabeiras. Apesar de os prefeitos se jactarem de a cidade ter muitas árvores, Belo Horizonte tem pouquíssimos parques e eles têm áreas diminutas; as tais árvores estão nos passeios, com raízes cobertas de cimento e atravancando a passagem dos pedestres (por que não plantá-las nas ruas, abaixo dos meio-fios? Para não prejudicar o trânsito de carros, é claro, mas tomar aos pedestres espaço muito mais reduzido, isso pode...)
Enfim, as perspectivas para Belo Horizonte são de se transformar numa São Paulo menor e pior, com os mesmos defeitos e sem as qualidades (a área da capital paulista é cinco vezes maior). Primeiro porque a política dos nossos governantes é essa e segue nesse rumo, apesas das catástrofes (bastam pensar nos três anos da gestão Lacerda e nas "obras para a Copa"); segundo porque os problemas são cada vez mais graves; por último porque, caso essa política mude, serão precisos muitos anos até que a qualidade de vida volte ao razoável. O estrago feito por sucessivos governos, amenizado durante as gestões Patrus e Célio, mas agravados por Lacerda, Pimentel, Anastasia e Aécio foi muito grande.
Este ano é ano de eleição para prefeito, os belo-horizontins podem pensar nisso antes de escolher o próximo preposto das empreiteiras e montadoras, mas farão isso? Ou mais uma vez votarão no embalo da bela propaganda milionária toda preparada por competentes profissionais da enganação?