sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

As contradições de Lacerda, que se pretende bom administrador e sensível

Vi ontem a reprise de uma entrevista que o prefeito de Belo Horizonte deu à TV Comunitária. A voz monótona de Lacerda dá sono, mas ele tem história e ouvi-la da sua própria boca é interessante. Ficou quase quatro anos preso em Belo Horizonte e Juiz de Fora, quando tinha em torno de vinte anos, por participar do movimento estudantil e do PCB, o velho partidão. Na prisão leu e conheceu futuros políticos como o atual ministro e ex-prefeito Pimentel. A ligação que gerou sua surpreendente candidatura em 2008, portanto, vem de longa data. Quando saiu, foi estudar economia na UFMG, mesmo caminho de Pimentel e de outros ex-presos da sua geração, antes de ser tornar empresário de sucesso e milionário. Ao que parece nunca abandonou seus contatos políticos, tanto que, ao vender suas empresas para multinacionais, ingressou na vida pública pelas mãos de antigos colegas do PCB, já PPS, primeiro na campanha do Ciro Gomes a presidente, depois na cota do partidão no governo de Minas. Curioso como o PPS, raivoso adversário dos governos Lula e Dilma, se confunde com o PSB, partido da base governista e do amigo de Lula governador Eduardo Campos, também atual partido de Lacerda e Ciro Gomes. Mais curioso ainda é o discurso de Lacerda, que, segundo suas palavras, voltou à política -- depois de "velejar pelo Caribe e pelo Mediterrâneo" -- para devolver à sociedade o que ela lhe deu nos anos de empresário e contribuir para a melhoria da qualidade de vida em Belo Horizonte. Para isso, ele aproveita o que aprendeu como empresário, especialmente a capacidade de administrar. "O que a população quer é um bom gerente com sensibilidade social", disse Lacerda. Como o discurso é distante da realidade! As características marcantes dos três primeiros anos da administração Lacerda foram justamente sua insensibilidade social e sua incompetência "gerencial". O mais espantoso é que um empresário que enriqueceu enquanto suas empresas -- fornecedoras de órgãos públicos -- não tinham concorrentes a enfrentar e que abandonou o "mercado" quando a economia brasileira se abriu e a competição se tornou acirrada queira justamente ser um bom administrador público. O que é que ele tem para aplicar no serviço público que não foi capaz de usar nas suas empresas privadas, de modo que elas continuassem competindo no mercado? Lacerda discursa sobre suas contradições com voz monótona e sorrisos (além de alguns tiques nervos, comuns a muitos ex-presos políticos torturados), sem atentar para elas e sem ser contrariado por quem o entrevista. Ele posa de milionário que não precisa da política para viver, que poderia estar "velejando no Caribe e no Mediterrâneo", mas que, por ser um home de bem, resolveu se dedicar à melhoria da qualidade de vida em Belo Horizonte. É uma versão que publicações como as revistas que chegam gratuitamente aos domicílios da zona sul da capital adoram, mas, obviamente, não bate com a realidade. A forma como Lacerda trata a cultura, por exemplo, não bate com suas "boas intenções". A forma como trata o funcionalismo público também não. A forma como tratou os militantes do PT responsáveis por angariar votos para sua eleição em 2008 não é a de um político de bem. A forma como realiza a obra na Savassi -- porca, demoradíssima, obscura, autoritária -- também não bate com o mínimo que se espera de um bom administrador. A forma como fechou o Parque Municipal, a forma como vendeu o patrimônio público, especialmente áreas verdes, ruas e imóveis que constituem ilhas onde se pode respirar melhor na cidade, também é o oposto do que se espera de um prefeito "com sensibilidade social". A cidade precisa de áreas verdes e públicas, mas Lacerda tratou de passar tudo que pôde para a iniciativa privada construir mais arranha-céus. O que não fez é porque foi contido por protestos da sociedade. O sistema de transporte coletivo de Belo Horizonte nunca foi tão ruim e tão caro -- vale dizer: mal administrado -- e a solução requer soluções simples e baratas, mas Lacerda (de mãos dadas com Aécio Anastasia) investe em grandes obras rodoviárias que beneficiam empreiteiras e empresários do transporte. O Orçamento Participativo Digital, uma iniciativa que poderia ser revolucionária, se bem gerenciada (basta lembrar que a Islândia, o país mais desenvolvido do mundo, que está superando a crise econômica mundial enfrentando os banqueiros internacionais e o FMI, produziu uma nova Constituição com a colaboração de todos os cidadãos via internet), foi transformado numa peça de propaganda para instalação de caras e inúteis (de que adianta vigiar, se a polícia não aparece, quando a população chama?) câmaras de vigilância em toda a cidade. Enfim, a administração de Lacerda segue o modelo Aécio Anastasia, incompetente para governar para a população, mas eficiente para fazer dívidas, gastar com empreiteiras e com muita -- mais muita -- propaganda. É o velho método da direita, segundo o qual o importante não é fazer, mas repetir tanto que fez que os eleitores passem a acreditar no discurso e não na realidade dura do dia a dia. Em Minas, infelizmente, tem funcionado.