Liberdade de expressão no Brasil continua sendo uma bandeira subversiva. É curioso isso porque, aparentemente, vivemos numa democracia e é justamente a direita -- a velha imprensa, liderada por Veja, Globo e Folha de S.Paulo -- quem reclama de uma possível tentativa de censurá-la, justamente durante o governo em que a liberdade de expressão foi provavelmente a mais ampla da nossa história: o ex-presidente Lula, ao que se sabe, nunca tomou uma medida para calar seus opositores, ainda que fosse insistentemente atacado e ofendido. Bem diferente do que aconteceu no mesmo período em Minas Gerais -- e acontece ainda, a ponto de parlamentares de oposição criarem o movimento Minas Sem Censura.
É tradição na imprensa mineira apoiar o governo. Desde que me entendo por gente é assim -- e todos sabem disso. A única vez em que isso não aconteceu foi durante o governo Newton Cardoso (1987-1990), quando o principal jornal local desentendeu-se com o governador e passou para a oposição, levando o peemedebista a fundar seu próprio jornal, o Hoje em Dia, atualmente propriedade da Igreja Universal. Mas o governo Newton passou e nos últimos anos a vocação situacionista da imprensa mineira atingiu seu auge com o editorial "Minas a reboque, não!" do Estado de Minas (8/3/2010), em que o jornal tomava a defesa do então governador Aécio Neves (PSDB) contra seu adversário paulista também tucano José Serra.
Ter a imprensa local a seu favor foi sempre um fator importante para a projeção dos políticos mineiros e o líder do partido governista apresentou-se sempre como "o porta-voz dos mineiros", diferentemente de outros estados. O Rio Grande do Sul, por exemplo, sempre teve duas forças políticas claras, sucedendo-se no governo, inconciliáveis. São Paulo e muito menos Rio de Janeiro, tampouco Pernambuco e Bahia, para ficar nas principais forças eleitorais do País, jamais puderam apresentar essa vantagem do pensamento hegemônico governista que os mineiros demonstram. Aos políticos mal acostumados a serem apoiados pela imprensa somam-se setores empresariais dominantes, igualmente.
É sob essa luz que se deve olhar para a surpreendente aproximação entre o PT e o PSDB, patrocinada pelo ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel e o ex-governador Aécio Neves, em 2008, e que liquidou a possibilidade de crescimento da esquerda no estado, justamente quando ela tinha no governo federal o apoio necessário para isso. Esse apoio não aconteceu e vimos surgir em Minas um novo centro político, todo-poderoso, amalgamado em torno do PSB do prefeito Márcio Lacerda.
Nesse quadro lamentável e desanimador, as vozes que se fazem ouvir de crítica ao governo em Minas (ou os governos, do estado e da capital, embora sejam todos aliados) têm vindo de movimentos populares abandonados pelo PT (ou pela ala majoritária do partido) e da blogosfera. Não que notícias desfavoráveis aos poderosos não saiam aqui e ali -- afinal, é de notícias que vive o jornalista e nenhuma direção de jornal consegue ou mesmo quer controlar todas as notícias que sai, pois isso o tornaria ainda menos lido do que já é --, mas a opinião, a análise e principalmente a multiplicação dos desmandos dos poderosos vem acontecendo aqui, na blogosfera.
É fácil de entender: a web é um novo e revolucionário modelo de comunicação, acessível a qualquer pessoa e que transforma todos em produtores e divulgadores de informações, não apenas consumidores, como acontece no sistema tradicional. E está em plena expansão: enquanto crianças e adolescentes crescem usando a internet, jornais, revistas e televisão perdem público, o que equivale a dizer, perdem poder. Só assim podemos entender que notícias absolutamente corriqueiras na grande imprensa de anos atrás ou na imprensa de outros estados ainda hoje, como a denúncia de uma mineradora ou o questionamento de ações policiais violentas se tornem alvo de tentativas de cerceamento à liberdade de expressão.
Liberdade de informação, de crítica e de opinião são pré-requisitos da democracia desde a Revolução Francesa, há 222 anos. Já é hora de os poderosos mineiros aprenderem a respeitá-la. Já é hora também daqueles que se opõem resistirem a intimidações e cerceamentos, como faz a brava Kika Castro. Os parlamentares do Minas Sem Censura e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais precisam se posicionar instransigente e ativamente em defesa da liberdade de expressão na web -- a favor da democracia.