A notícia abaixo tem seu interesse intrínseco e merece ser lida na íntegra, mas dentro dela estão ainda outras matérias, apenas sugeridas, que revelam um pouco da história do Brasil e desse outro país que existe no interior (Centro-Oeste e Amazônia), muito diferente do nosso sul maravilha. Segundo a Wikipédia e o Censo 2010, Feliz Natal é um município do estado d0 Mato Grosso. Sua população é de 10.933 habitantes e sua área, de 11.462 km². A emancipação do município ocorreu em 1995, tendo sua área inteiramente desmembrada do município de Vera. Por sua vez, Vera tem área de 2.963 km² e população de 10.235 habitantes. Até 1986 pertencia a Sinop, que tem 113.099 habitantes (2011) e área de 3.942 km². Estão instalados em Sinop um radar do Sivam, para monitoramento da Amazônia Legal, e uma sede Embrapa. O nome Sinop vem da empresa colonizadora da região, a Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná, fundada em 1948 em Presidente Venceslau (SP) para colonizar terras do interior do Paraná, onde fundou algumas cidades, e na década de 1970 migrou para o Mato Grosso, onde também fundou diversos municípios, inclusive o que leva seu nome e tem sua sede. Várias coisas chamam atenção em tudo isso. A primeira, mas não mais importante, é existir um município brasileiro chamado "Feliz Natal". A segunda é essa febre de emancipação de municípios -- Feliz Natal foi criado apenas nove anos depois de Vera ter sido emancipado de Sinop. A terceira curiosidade é que o município mais novo é também o maior em área, fato inusitado: em geral, o novo município pega uma parte importante do antigo, mas três quartos da área total eu nunca tinha visto. A quarta curiosidade são as pequenas populações de Vera e Feliz Natal, ao contrário de Sinop. Isso evidencia interesses estranhos à população local na emancipação: por que populações tão pequenas iriam querer se separar de um dos principais municípios do Mato Grosso? A densidade populacional de Feliz Natal é de menos de 1 habitante por quilômetro quadrado (contra 28 de Sinop). Ainda assim, 74% da sua população é urbana, embora seja um município essencialmente agrícola. Que significa isso? Que seu território provavelmente está dividido em grandes fazendas pertencentes a poucos fazendeiros (ou empresas rurais) com imensas plantações de grãos, mas desabitadas, porque as pessoas estão na cidade. (Uma curiosidade à parte é que a prefeitura de Feliz Natal tem até um saite, com fotografias e estatísticas detalhadas do município, pelas quais se fica conhecendo a origem do seu nome e que funcionam lá 78 serrarias -- a extração de madeira é a atividade econômica principal, acompanhada da agricultura e da criação de rebanhos. Pelo que se vê nas fotos, é uma cidade planejada, novinha, pequena e cercada de plantações iguaizinhas, de monoculturas.) E isto leva à quinta curiosidade, o nome da cidade original, que é o nome de uma empresa. Isto também eu nunca tinha visto, uma empresa dar nome a um município. Enfim, é um outro país, que infelizmente desconhecemos, não só pessoalmente, mas mesmo pela imprensa, que, centrada no Rio e em São Paulo, só olha para seu próprio umbigo e não se interessa por outras regiões do País, a não ser quando acontece alguma tragédia (ou no caso de Feliz Natal no dia 25 de dezembro). Certamente, esses lugares têm muitas histórias pra contar.
Do Blog do Sakamoto.
A economia cresce, a proteção ambiental cai
Vi comemorações semelhantes a uma vitória em Copa do Mundo à divulgação, nesta quarta, pelo IBGE, de que a safra brasileira de grãos deve chegar a 159,7 milhões de toneladas este ano – 6,8% superior à safra já recorde de 2010. A área a ser colhida em 2011 (48,6 milhões de hectares) cresceu 4,6% se comparada à de 2010 – a da soja aumentou 3,2% e a do milho, 3,5%. Ao mesmo tempo, o Departamento de Agricultura do Tio Sam anunciou que as exportações brasileiras de soja devem chegar a 38 milhões de toneladas na safra 2011-2012. Isso combinado à diminuição da produtividade nos Estados Unidos, trará o Brasil de volta à liderança mundial nas exportações de grãos. Durma com essa, ianques! Mas tudo tem seu preço. Um relatório da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) apontou que o desmatamento para plantio de soja na Amazônia cresceu 85% neste ano com relação a 2010. Ou seja, no período 2010/2011, a área desmatada para soja foi de 11.653 hectares entre 375 mil ha monitorados em 53 municípios, enquanto que, no período 2009/2010, o corte foi de 6.295 ha em uma área monitorada 24% menor. Vale ressaltar que cidades campeãs de desmatamento no Mato Grosso são também grandes produtoras de soja, como Feliz Natal. Ao mesmo tempo, análise da ONG ICV sobre os Dados do Sistema de Alerta do Desmatamento (SAD), do Imazon, indicaram uma tendência de alta de 22% do desmatamento e de 225% na degradação florestal entre agosto/2010 e março/2011, com relação ao mesmo período do ano anterior. No mês de abril, operações de fiscalização realizadas pelo Ibama revelaram o reaparecimento de casos de megadesmatamentos (acima de 1.000 hectares), que praticamente haviam desaparecido em Mato Grosso nos últimos três anos. O que estaria acontecendo agora é uma corrida para derrubar áreas o quanto antes, visando a aproveitar-se da anistia do desmatamento ilegal, prometida pela proposta de alteração do Código Florestal. O projeto de novo Código Florestal tornou-se polêmico por propor um corte na proteção ambiental do país. Anistia para quem cometeu infrações ambientais, isenção de pequenas propriedades de refazerem as reservas desmatadas, redução da faixa mínima de mata ciliar que deve ser preservada à beira de cursos d’água, estão entre as medidas. Proíbe novos desmatamentos por um prazo de cinco anos, algo difícil de cumprir uma vez que a política do fato consumado já mostrou que é o forte por aqui. No momento, o projeto está sendo discutido no Senado Federal, após ter sido aprovado na Câmara. A última traquinagem da bancada ruralista, como informa o sempre alerta Claudio Ângelo, da Folha de S. Paulo, foi uma pressão que fez o governo recuar em mais um ponto: a recuperação de áreas de preservação permanente (APPs) em margens de rios – o que deve tirar a obrigatoriedade de recompor a área desmatada em pequenas e médias propriedades. Era isso ou os ruralistas mudariam regras já definidas. Lá em cima, isso é batizado como negociação política. Aqui em baixo, o povo chama de chantagem mesmo. Há alguns anos, venho escrevendo que o Ministério do Meio Ambiente tem menos controle sobre o desmatamento na região amazônica do que a Chicago Board of Trade, nos Estados Unidos, onde se define o preço mundial da soja. O grão passou um longo período com preço baixo no mercado internacional, o que freou sua expansão sobre a Amazônia e o Cerrado. Agora está nas alturas – e, portanto, ouve-se o ronco das motosserras. Muitas vezes, com financiamento público, ou seja, seus, meus, nossos impostos. E a possibilidade do novo Código Florestal perdoar todos os pecados, faz com que o pessoal corra atrás de pecar ainda mais.
A íntegra.