Matéria denuncia a violência que aconteceu na USP, durante a ocupação do prédio da Reitoria, quando a PM isolou os estudantes com as portas fechadas, longe das vistas de quem estava de fora. Imprensa teve acesso e se calou, teve jornalista que xingou estudantes. Pelo menos uma equipe de reportagem foi cúmplice de tortura. Episódio revela que as polícias paulistas continuam agindo como na época da ditadura militar, negando direitos aos detidos, torturando, forjando provas, transformando vítimas em bandidos e contando com a cumplicidade da velha imprensa, que depois manipula o noticiário. Imprensa ou assessoria de imprensa do governo e da PM paulistas? Como no regime militar, os porões não agem por conta própria, servem ao governo.
Da Agência Carta Maior.
Estudante da USP: "A única visão que eu tinha era das botas"
"Apareceu um policial por trás de mim, apontando uma arma de grosso calibre. Eu fiquei paralisada; na minha frente o cordão de isolamento e atrás um cara armado. Ele me pegou , me disse que eu estava detida e me mandou deitar no chão. Chegaram mais dois PMs, que já me jogaram no chão para me imobilizar e eu comecei a gritar, já que eu não estava lá dentro e eles não tinham justificativa legal para me deter, eu só estava filmando. Foi quando um deles falou: "É melhor levar ela pra dentro". Eles me levaram arrastada pra frente da reitoria, quebraram o vidro e entraram. Era uma sala escura, não havia nenhum aluno, só policiais homens. Lá, me colocaram de pé e mandaram deitar no chão. Como eu não fiz imediatamente o que me pediram, eles chutaram minha perna, que ficou roxa. Acredito que isso conste no exame de corpo de delito. Quando me jogaram no chão, um homem sentou nas minhas pernas, próximo ao meu bumbum, e dois no meu tronco, pressionando com o joelho meu corpo no chão. Havia vários em volta fazendo uma roda, porque como estavam ao lado do vidro, se alguém estivesse passando poderia ver. A única visão que eu tinha era das botas. A sala estava toda escura. Devia ter uns 12 homens ali, algo descomunal para imobilizar uma mulher. Eles falaram que iam me levar presa e botaram um lacre nas minhas mãos. Também pegaram minha câmara. Eu gritava e batia as mãos no chão, e eles falavam "você está pedindo arrego?". Um deles pegou na minha nuca, bateu minha cabeça no chão várias vezes, na parte do couro cabeludo, para não deixar hematoma. Eu tentei reagir e mordi a mão do PM que segurava minha boca. Quando fiz isso, eles me falaram: "Você conhece o porco?". O porco era uma bolacha de plástico, um material muito resistente que enfiaram na minha boca. Era uma coisa achatada, que impedia de falar e me impediu de respirar pela boca, sendo que eu tenho dificuldade de respirar pelo nariz. Eu fiquei com isso na boca enquanto eles falavam: "é melhor ficar quieta senão vai ser pior". Eu pensei que não havia mais ninguém lá dentro, que todo mundo já havia sido retirado e que iam fazer o que quisessem comigo. Depois eu soube que tinha uma sala ao lado, onde as meninas ouviram tudo o que aconteceu ali, elas são testemunhas. Onde eu estava, não tinha uma mulher, ninguém. Depois de vários minutos dessa situação, me prenderam com um lacre, com as mãos pra trás. Apertaram isso muito forte e me levantaram pelos cabelos do chão; tiraram o 'porco' da minha boca e me levaram pra outro lugar, mais iluminado. Eu reclamava do meu braço, que ficou roxo; isso não saiu tanto no corpo de delito, já que ele foi feito às 2h da quarta-feira, e a reintegração foi às 5h do dia anterior. Os PMs me arrastaram para um corredor iluminado. Eu reclamei que meu braço doía muito e eles falaram que realmente estava muito apertado; pegaram uma faca enorme, pediram pra eu ficar quieta e cortaram o lacre. Nisso passou um repórter da Globo, o primeiro a chegar no local, que fez toda a cobertura. Quando eu o vi achei que era minha salvação: comecei a gritar e falar o que estava acontecendo. O repórter olhou com o maior desprezo e passou direto. Mas os câmaras filmaram um pouco, tanto que as imagens estão no Jornal Nacional, onde eu reclamo da minha mão. Eu falando o que tinha acontecido eles não colocaram. Um cara [PM] ainda me falou "viu, não adianta nada você reclamar". Não conseguia ficar de pé, mas eles queriam que eu ficasse; um PM pegou o cassetete e apertou contra a minha garganta pra eu ficar em pé, junto à parede. Minha garganta desde lá está inflamada e estou rouca.
A íntegra.