O texto abaixo, do francês Alexis de Tocqueville (publicado no Brasil pela Editora Hedra numa simples mas primorosa edição, com tradução de Plínio Augusto Coêlho), é uma aula de história sob vários aspectos. A "conquista do Oeste" americano transformou-se no gênero cinematográfico por excelência dos EUA, o faroeste (ou western), que fez o mundo inteiro aplaudir os mocinhos. Os mocinhos, na verdade, eram exterminadores de "índios", nome pelo qual Colombo chamou os habitantes do Novo Continente, por supor que havia chegado à Índia, em 1492. Os EUA se formaram na conquista pelos europeus de um extenso território que começou no litoral do Atlântico e chegou ao litoral do Pacífico. Não sobrou espaço para os habitantes primitivos, como Tocqueville mostra de forma sintética e dramática. No Brasil aconteceu o mesmo, com diferenças que atrasaram o processo de extermínio dos indígenas: os portugueses não chegaram ao Pacífico, que foi ocupado pelos espanhóis; exterminados no Leste, os "índios" foram salvos pela imensa e impenetrável Floresta Amazônica, na qual se abrigaram e sobrevivem ainda. Só a partir do governo JK e da construção de Brasília é que a conquista da Amazônia pelos "europeus" começa a se completar, processo a que assistimos, com a exploração mineral, a construção de hidrelétricas, instalação de siderúrgicas, exploração de madeira e a expansão da fronteira agrícola para plantio de soja. Quando se fala na "descoberta do Brasil" e na "descoberta da América", não se mencionam os fatos de que a população indígena do "Brasil" era de 5 milhões de habitantes, três vezes maior do que a população de Portugal. O império asteca tinha 25 milhões de pessoas, metade da população de toda a Europa, e sua capital, Tenochtitlán, tinha 200 mil habitantes, rivalizando com as maiores cidades europeias. Os nativos do atual território americano são estimados em 20 milhões. As observações de Tocqueville foram escritas durante uma viagem aos EUA a serviço do governo francês.
Utica, 6 de julho de 1831.
As raças indígenas fundem-se em contato com a civilização da Europa como a neve aos raios de sol. Os esforços que elas fazem para lutar contra seu destino só fazem acelerar para elas a marcha destrutiva do tempo. De dez em dez anos, aproximadamente, as tribos indígenas que foram empurradas para as vastidões do Oeste, percebem que nada ganharam recuando, e a raça branca avança ainda mais rápido do que eles se retiram. Irritadas pelo próprio sentimento de sua impotência, ou inflamadas por alguma nova injúria, reúnem-se e lançam-se impetuosamente sobre as regiões que outrora habitavam e onde agora erguem-se as habitações dos europeus. Os indígenas percorrem o país, queimam as casas, matam os rebanhos, fazem escalpos. A civilização então recua, mas recua como a onda do mar que sobe. Os Estados Unidos assumem a causa do menor de seus colonos e declaram que essas miseráveis tribos violaram a lei das nações. Um exército popular marcha contra elas. Não só o território americano é reconquistado como também os selvagens são empurrados ante os brancos, seus wigwams (tendas) destruídos, e, os brancos apoderando-se de seus rebanhos, deslocam o limite extremo de suas possessões cem léguas mais distante de onde se encontrava antes. Assim privados de sua nova pátria adotiva pelo que agradou a Europa culta e instruída chamar o direito da guerra, os indígenas reiniciam sua marcha rumo ao Oeste, até que se detenham em alguma nova solidão onde o machado do branco não tardará a fazer-se ouvir novamente. Na região que eles acabam de pilhar, colocada doravante ao abrigo de sua invasão, já se erguem agradáveis vilarejos que logo formarão populosas cidades. Caminhando à frente da imensa família europeia da qual foram a vanguarda, o pioneiro apodera-se das florestas abandonadas pelos selvagens. Ali constrói sua cabana rústica, e espera que a primeira guerra abra-lhe o caminho rumo a novos desertos...
6 de julho, partida de Utica.
Encontramos os primeiros indígenas de Oneida Castle, a 116 quilômetros de Albany. Eles mendigam.