quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O quarto poder da Rede Globo

Já tem alguns dias, mas é uma excelente análise, que merece ser lida, além de o assunto ser relevante. A comparação do episódio com as mudanças no governo stalinista é ótima. A Globo, assim como outras grandes redes de comunicação contemporânea, fazem política. O "jornalismo" está submetido à política, o entretenimento também, até o futebol. São interesses políticos que visam a satisfazer interesses econômicos. Quem leu sobre Assis Chateaubriand, o fundador da cadeia Associados, sabe que já naquela época era assim. O poder de um simples jornal é imenso, o de uma cadeia de jornais, enorme, o de uma rede de jornais, revistas, rádios e televisões, como é o caso da Globo, só se compara ao do próprio governo federal, que tem instrumentos para enfrentá-lo. Porém, até o governo federal precisa seguir trâmites legais para agir, ao contrário das redes de comunicação, que primeiro atiram e depois perguntam, isto é, põem no ar reportagens e denúncias que terão de ser desmentidas e manterão o governo acuado, como demonstra o articulista -- aliás, como demonstra melhor do que tudo o atual processo do "mensalão", fabricado pela imprensa e que o STF encampou, como medo da própria imprensa, mesmo não tendo provas, mesmo tendo de recorrer a um "julgamento de exceção". É por isso que a "grande" imprensa é o quarto poder, é por isso que uma democracia não pode ter o que o Brasil tem, empresas donas de tantos veículos ao mesmo tempo, é por isso que as nações mais democráticas, inclusive os EUA, impõem restrições à propriedade e concessões de veículos de comunicação.


O interesse público na mudança do comando da Globo
Por Jotavê -- comentário aos post Mudanças na diretoria da Globo
Ontem (19/9/12), o Jornal Nacional anunciou mudanças em sua cúpula num longo comunicado lido pela voz mansa e servil de William Bonner. A extensão da mensagem, no caso, era plenamente justificada. Ainda que não tenhamos sinais de mudança radical na orientação jornalística da emissora, qualquer alteração, por menor que seja, no comando da Rede Globo ganha interesse público, pois diz respeito ao controle sobre uma parte substancial dos mecanismos de formação da opinião pública no país. A emissora apoiou abertamente o regime militar, boicotou as diretas, criou a candidatura Collor, capitaneou o movimento pelo impeachment de Collor, apoiou criticamente o governo Fernando Henrique (manter o laço sempre armado faz parte da estratégia de poder), e desde 2002 dedica-se noite e dia a desgastar a imagem do PT e de Lula.
O que falta ao PT para enfrentar personagens realmente grandes, como a Rede Globo? Falta ser um partido grande, que dê sustentação efetiva e mais ou menos independente ao Executivo e seja capaz de matar no nascedouro as tentativas de golpe via impeachment. Lula pôs a governabilidade acima de tudo. (...) o partido como um todo ainda é fraco, e é isso que torna inviável a elaboração de leis que democratizem efetivamente o exercício da liberdade de opinião, fazendo com que a vitrine de uma emissora do porte da Rede Globo esteja realmente acessível a diferentes correntes de pensamento, e não continue sendo aquilo que ela é hoje -- um mero instrumento de manipulação ideológica das massas.
A imprensa se vê, hoje, como um quarto poder, e exerce esse poder em toda a sua extensão, relacionando-se com os outros três levando em conta os seus interesses no jogo, e nada mais. Demóstenes Torres e José Roberto Arruda só eram "confiáveis" aos olhos da revista Veja porque estavam associados ao mesmo bicheiro ao qual ela própria se associou. Pertenciam, digamos assim, ao mesmo organograma. A revista sabia que poderia detonar qualquer um dos dois quando bem entendesse, e por isso os apoiava e lutava para que chegassem à Presidência da República. Não os apoiava "apesar" de saber que tinham ligações com o crime organizado. Apoiava-os exatamente por isso: por serem "confiáveis", por poderem ser destruídos a qualquer tempo.
A não ser por isso -- por ter se tornado, em função dos próprios deslizes, num fantoche facilmente manipulável -- nenhum político é confiável aos olhos de uma Rede Globo, de uma revista Veja, ou de uma Folha de São Paulo. Todos eles podem ser aliados ocasionais, mas continuam sendo sempre inimigos potenciais.
A primeira providência que tomam, assim que um novo governante sobe ao poder, é fragilizá-lo com uma chuva de denúncias reais ou fabricadas, acuando-o, fazendo-o ficar à mercê de sua boa vontade. Foi o que fizeram com Fernando Henrique Cardoso (se quem me lê não se lembra disso, a culpa não é minha -- consultem os arquivos), foi o que fizeram (em dose dupla) com Lula, é o que estão fazendo (ora mais, ora menos) com Dilma, e é o que farão com qualquer um que tenha a caneta o Poder Executivo em suas mãos.
O PSDB esgotou-se enquanto partido da social-democracia brasileira. Hoje, o partido capaz de levar adiante essa bandeira é o PT. Enquanto não tivermos um partido forte, é impensável imaginar um enfrentamento de uma máquina ideológica do porte da Rede Globo. Esse é o dado básico que deveria ser levado em conta na hora de sabotar candidaturas locais em nome de associações nacionais.
A troca de comando, anunciada ontem na Rede Globo tinha um formato nitidamente stalinista. Imagino que uma reforma ministerial era anunciada pelo rádio na URSS dos anos 30 da mesma forma, no mesmo tom neutro, impositivo, projetado contra do pano de fundo de um poder incontrastável, envolto na sonoridade solene de um sobrenome quase mítico - "Stalin" para eles, "Marinho" para nós. Sem eliminar esse stalinismo vigente na mídia brasileira, não existe a menor esperança de construirmos uma democracia que não se resuma a um simples jogo formal de apertar um botãozinho numa urna eletrônica a cada quatro anos.
A íntegra.