Os países ricos têm Bolsa Família desde meados do século passado. O nome varia, mas o significado é o mesmo: o Estado dá uma ajuda aos trabalhadores, na forma de educação pública, saúde pública, transporte público. Se está desempregado, recebe salário desemprego. Imagina se aqui no Brasil tivéssemos educação, saúde e transporte públicos de qualidade gratuitos: o salário renderia muito mais. Foi assim que o capitalismo saiu da crise de 1929, foi assim que sobreviveu ao colapso do liberalismo, que gerou governos fascistas e a Segunda Guerra Mundial, foi assim que a Europa foi reconstruída. No final do século, entretanto, as políticas liberais ultrapassadas, rebatizadas de neoliberalismo, ressuscitaram, graças à entrada no mercado mundial dos países do antigo bloco socialista -- nada mais nada menos do que a maior nação em extensão territorial do mundo e a nação com a maior população, além de outros povos. Desde então o capitalismo voltou a suas crises periódicas, à sua contradição intrínseca, em que produzir muito, ter muita riqueza é um mal, não é um bem! Como os neoliberais prevalecem nos organismos internacionais, a receita é sempre a mesma: o governo tem de diminuir despesas, ou seja, provocar recessão e cortar gastos estatais com aqueles benefícios sociais que salvaram o capitalismo no século passado. Não é à toa: é que essas políticas quebram empresas e concentram o capital cada vez em mãos menos numerosas. Não à toa a economia mundial hoje é controlada por 147 empresas, a maioria bancos, como revelaram recentemente cientistas suiços. O remédio para a crise capitalista mata muita gente e beneficia quem o receita. É um jogo de cartas marcadas. Não foi por acaso também que os países que se saíram melhor na crise foram aqueles que, como o Brasil, não adotaram a receita neoliberal, ao contrário, aumentaram os investimentos estatais e incentivaram o consumo. Quando a economia cresce, todo mundo ganha, inclusive os jogadores, digo, banqueiros, mas eles ganham mais quando a economia entra em recessão, porque aí eles ganham tudo. A política de benefícios sociais parece razoável: se as pessoas têm dinheiro, consomem e a economia cresce, as empresas vendem, ganham dinheiro. Parece irracional que o capital queira acabar com a renda e portanto diminuir o consumo, diminuir a produção e o lucro. E realmente é irracional, porque o capitalismo é irracional. Sua única lei é o lucro, e como as 147 empresas lucram com a crise, como elas ficam ainda mais ricas e poderosas, e como elas controlam os organismos internacionais e governos, está tudo bem. Na verdade, para elas está tudo ótimo. Não à toa os movimentos em praça pública nos países mais ricos dizem aos banqueiros que não aceitam mais isso, que eles que fizeram a crise e eles é que têm de pagar por ela. E aí a questão complica, porque surge a contradição entre a democracia representativa que o capitalismo tanto defende e as decisões populares que contrariam a política neoliberal. Como no caso (provável) do plebiscito grego. O povo não vai querer os cortes de benefícios, é claro, então só de pensar nisso os neoliberais que controlam as instituições financeiras tremem. Eles gostam de democracia quando o povo vota a favor deles. Frequentemente, quando esse desencontro entre a vontade popular e a deles acontece, eles apelam para golpes de estado. A Grécia mesmo já foi governada por militares. Em 2011 isso parece improvável. É possível que a vontade popular prevaleça e a política neoliberal sofra mais um golpe. Como aconteceu na Islândia. Já está passando da hora. Na verdade, trata-se de um morto-vivo, de um fantasma que saiu da tumba pelas mãos sinistras de Augusto Pinochet, Ronald Reagan e Margaret Tatcher e que precisa voltar pra lá.
Da Agência Carta Maior.
Novo terremoto na Europa
Nem bem um terremoto sacudiu a Alemanha quando a chanceler Ângela Merkel anunciou que defende a adoção um salário mínimo no país, outro tremor de terra varreu a Europa inteira. O primeiro ministro grego, Georges Papandreou, anunciou a proposta de realizar um plebiscito no país em janeiro, sobre a aceitação do pacote acertado na semana passada para estabilizar o euro. Democracia demais faz mal e dá indigestão. Houve uma chuva de críticas ao primeiro ministro grego, a começar pelos conservadores em seu próprio país. Além disso, a euforia que as bolsas manifestavam com o anúncio do pacote e a perspectiva da recapitalização dos bancos sofreu uma reviravolta para um clima depressivo. As bolsas caíram de novo, as ações do Deutsche Bank (-8%) e do Commerzbank (-10%) alemães também, o euro perdeu 1,3% em relação a outras moedas. É verdade que o pacote prevê a diminuição da dívida grega pela metade; mas ao mesmo tempo as condições do pacote (seus próprios mentores reconhecem) vão estagnar a Grécia pelos próximos dez anos, e pulverizar o que já se esmigalhou: pensões, aposentadorias, salários, empregos, investimentos, programas sociais.
A íntegra.