Era um homem bom. Um raro homem bom. Um homem bom e rico. Um raro homem
bom e rico, belo-horizontino e torcedor do Clube Atlético Mineiro. Bom
pai, bom marido, bom filho, bom amigo, bom patrão. Aqueles que acham que
é impossível ser bom sendo capitalista se espantariam diante daquele
homem bom: ele fazia por seus funcionários muito mais do que a lei
exigia. Financiava a compra de moradia em bairros próximos da empresa,
para facilitar o deslocamento; pagava-lhes um bom plano de saúde – o
mesmo que atendia a sua família; pagava escola particular para os filhos
de todos eles – as mesmas escolas onde estudavam ou tinham estudado
seus filhos; dava participação nos lucros e nas decisões da empresa. Era
um patrão tão bom que levantava suspeita entre seus pares, os quais,
ano após ano, vaticinavam sua falência. Mas o homem bom era também um
bom homem de negócios e, ao invés de fracassar, seus empreendimentos só
cresciam e davam mais lucro.
Bom patrão, era querido por seus funcionários. Bom amigo, era respeitado
por outros homens de bem. Bom filho e bom pai, era venerado por sua
família. Bom marido, era amado por sua mulher. Bom cidadão, era
considerado como uma pérola da sociedade. Tinha tudo quanto queria – e
nunca quis luxos e supérfluos, mas só a realização de necessidades e
desejos que considerava legítimos para todos, aquilo que pudesse
realizar com seu próprio esforço e a ajuda dos seus. Seus filhos eram
bons e saudáveis, sua mulher era dedicada e apaixonada, seus negócios
superavam as incertezas das crises econômicas e os obstáculos da
burocracia honesta. Tinha, enfim, tudo quanto queria, exceto uma coisa,
uma frustração, uma tristeza, que carregava evitando demonstrar, que só
os mais íntimos conseguiam perceber: seu clube de coração andava mal, há
muito tempo não ganhava um título importante, nem jogava bom futebol,
nem entusiasmava seus torcedores. Angustiava-se por não conseguir
transmitir às novas gerações – aos seus netos que começavam a nascer e
aos filhos e netos dos seus amigos e funcionários – as razões daquela
paixão tão forte por um clube decadente. (Esta história passa-se em
2009, talvez um pouco antes, talvez um pouco depois, certamente em algum
momento entre 2007 e 2010.)
Mas o Homem Bom já se conformava com sua única frustração; tinha também
outros interesses culturais, amava a literatura, o cinema e a música, e
começava até a negligenciar seu clube de coração: faltava ao estádio,
não acompanhava o noticiário esportivo, parou de assinar o peiperviu.
Foi quando, casualmente, fazendo uma faxina periódica na velha
biblioteca da casa dos seus pais, a casa da sua infância, entre livros
empoeirados ele encontrou um jarro antigo e sujo, do qual não se
lembrava. Assoprou o pó, limpou-o com curiosidade, lustrou-o até que
brilhasse de novo sua beleza de estanho e destampou-o. Para seu enorme
espanto – quem não se espantaria? – viu sair do jarro uma fumaça azulada
que se transformou numa enorme figura de homem, etéreo, mas vestido,
com roupas orientais e um gorro, e que pairava no alto olhando para ele,
com os braços cruzados, olhar assustador e sorriso bonachão.
Em um gênio! Um gênio daqueles das histórias das Mil e Uma Noites, que
sua mãe lia para ele antes de dormir, quando era pequeno. Com voz grossa
e rouca, o gênio efetivamente identificou-se, agradeceu por sua
libertação de um cativeiro que durava já mais de mil anos e
comunicou-lhe que tinha direito à realização de três pedidos, como de
praxe.
“Três pedidos!”, exclamou o Homem Bom. “Posso realizar seus três maiores
desejos”, confirmou o gênio. O Homem Bom sorriu da situação e até
pensou na ironia do destino: “tantos sofrem tantas carências e um gênio
vai aparecer para mim, que tenho tudo e de quase nada preciso”. Cogitou
em passar os desejos a outrem, mas, como se adivinhasse seu pensamento, o
Gênio esclareceu que aqueles desejos eram exclusivos de quem abriu o
jarro e o libertou, se ele não os fizesse ninguém mais poderia fazê-los.
Sem conseguir pensar em nada que não tivesse, que não fosse supérfluo
ou luxo, ou não pudesse obter com seu próprio esforço, o Homem Bom
estava a ponto de dispensar o Gênio, agradecendo sua consideração e
concedendo-lhe a liberdade, quando lembrou-se do seu desafortunado clube
de coração. Passou então por sua cabeça fazer três pedidos para
melhorar a sorte do Galo e restaurar suas alegrias com o esporte das
multidões.
"Eu queria que o Atlético fosse campeão da Libertadores", pediu o Homem
Bom, timidamente, meio sem graça de fazer um pedido daquele.
Certamente, o Gênio nem sabia o que era futebol, muito menos Atlético e
Libertadores. De fato, ele pediu explicações, que o Homem Bom forneceu,
e, mesmo estranhando o pedido, respondeu: “Isso é fácil de conseguir.
Vai levar algum tempo, mas posso conseguir”. “E o segundo pedido?”,
perguntou.
Já se considerando o atleticano mais feliz na face da Terra, campeão da
Libertadores, o Homem Bom entusiasmou-se, pensou mais um pouco, mas não
conseguiu imaginar outro desejo tão importante quanto aquele, até que
lembrou-se de um craque que admirava quase tanto quanto tinha admirado
Reinaldo, Cerezzo, Éder e Luisinho, e ousou fazer o segundo pedido.
"Eu quero ver o Ronaldinho Gaúcho jogando no Galo”, disse. O Gênio
estranhou ainda mais: O Homem Bom era mineiro e queria um jogador
gaúcho... Pediu mais explicações – era um gênio muito inteligente, que
pescava rápido as coisas – e tentou demover o Homem Bom do seu pedido.
"Ronaldinho Gaúcho é um jogador decadente, milionário, joga no exterior,
já ganhou tudo que podia ganhar, por que trazê-lo de volta ao Brasil,
para jogar em Belo Horizonte?", tentou argumentar. “Pede outro: o outro
Ronaldo, por exemplo, o Ronaldão, o gordo. Ou um jogador mais novo. Quer
ver?, tem um menino no Santos que promete, logo logo vai estourar,
esqueci o nome dele, tem o mesmo nome do pai, por isso é chamado de
Júnior.”
Mas o Homem Bom bateu o pé: ele queria ver Ronaldinho Gaúcho vestindo a
camisa do Galo, um desejo que sempre considerou impossível, mas se o
Gênio estava oferecendo, que cumprisse o prometido. E o Gênio teve de
ceder, fazendo outra vez a ressalva: “Pode demorar um pouco, porque
envolve cláusulas contratuais, grandes somas em dinheiro,
patrocinadores, e certamente tem outros times brasileiros interessados
nele, mas eu vou dar um jeito”, prometeu.
“E o terceiro pedido? Não vai pedir pra eu trazer o Telê para treinar o
Galo vai? Nem vai querer também o Tostão, Pelé, Garrincha, porque eu sou
gênio, mas ainda não faço milagres”, disse, com um ar zombeteiro – era
um gênio muito inteligente, incrivelmente bem informado e já estava
pegando a malandragem brasileira.
Na verdade, o Homem Bom já tinha pensado num terceiro desejo, mas ficou
com vergonha de dizer. Riu de si mesmo, o Gênio percebeu e quis saber o
que se passava na cabeça do outro. O Homem Bom pensava na razão de
gostar tanto de futebol, de ter aquela paixão pelo Galo, e lembrou dos
primeiros jogos a que assistiu, ainda menino, em companhia do pai, nas
arquibancadas toscas do velho Estádio Independência, que lhe pareceram
um lugar enorme, povoado por uma multidão alegre, fraterna e barulhenta,
como jamais vira antes e não havia em outros lugares. Decadente e
abandonado, desde a construção do Mineirão, o Independência era agora um
estádio para jogos menores, sem importância. E num lampejo de loucura o
Homem Bom fez seu último pedido:
"Eu quero que o Galo volte a mandar seus jogos no Horto!"
O Gênio, já sabendo dos investimentos milionários feitos em novos estádios no Brasil, questionou. "Mas jogar a Libertadores num estádio acanhado como o Independência? Nem cabe a torcida do Galo", argumentou.
O Homem Bom ouviu, pensou e reformulou seu pedido: "A final pode ser no Mineirão".